Escritora Mayra Falks diz que prêmios e críticas mudam a vida do autor

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Maya Falks: "Vai ser bonito quando o Brasil se descobrir por inteiro em termos de literatura"

Influenciada por autores brasileiros como Mário Quintana e Pedro Bandeira, autora e crítica literária gaúcha fala sobre a vida entre livros

12 de janeiro de 2024

Por Cefas Carvalho

Nascida Márcia Bastian Falkenbach no inverno gelado de 1982, na serra gaúcha, segundo suas próprias palavras, Maya Falks é escritora, poeta, publicitária, jornalista e professora que vem alcançando destaque no cenário literário com uma obra consistente e vasta. Fã número 1 de Gonçalves Dias e vencedora de diversos prêmios entre contos, crônicas e poesias, Maya é autora das obras “Depois de Tudo”, Histórias de Minha Morte" e “Versos e Outras Insanidades”, o híbrido "Santuário", o poema longo "Pátria" e o romance "Já não somos os mesmos". 

Atua como leitora crítica e resenhista em seus projetos Escritório Literário e Bibliofilia Cotidiana. Foi a vencedora do Prêmio Vivita Cartier de 2021 com o livro "Eu também nasci sem asas". Ativista pela cultura em geral, foi reconhecida com o título de Patrona da Feira do Livro de Caxias do Sul em 2022, representando a literatura na segunda maior cidade gaúcha. Assumiu-se assexual no ano de 2019 e vem atuando na informação sobre assexualidade desde então, já tendo publicado um livro sobre o tema. Confira: 

Segundo relatos seus, começou a criar suas próprias histórias muito cedo, se aventurando na primeira narrativa longa aos 7 anos e na segunda aos 11. Fale sobre essa descoberta da leitura e da escrita própria na infância, suas leituras e influências e literatura na juventude.

A criação de histórias é tão parte de mim que diria que veio literalmente de berço. Minha memória mais remota, por exemplo, é eu ainda bebê me divertindo com o livro “O Batalhão das Letras”, de Mário Quintana. Lembro com clareza as ilustrações do livro e que ficava horas em cada página criando minhas próprias histórias – essa memória foi confirmada pela minha mãe e por fotografia registrada por ela. Quando comecei a ter condições cognitivas para criar frases, entender as palavras, comecei a desenhar histórias em quadrinho e ditar as pequenas narrativas e diálogos para minha mãe. Minha grande inspiração nessa época era a Turma da Mônica e eu tentava imitar os gibis, calculando as páginas certas para dobrar as folhas ao meio, grampear e ter um gibi de minha autoria. Foram também Mônica e Cebolinha que inspiraram “Amor eterno”, essa história que escrevi aos 7. Digo até hoje que um dos maiores marcos da minha vida foi a minha alfabetização, quando ganhei autonomia para escrever minhas histórias.

Tive sempre muita presença da literatura em casa. Não tínhamos uma biblioteca gigante nem nada parecido, mas nunca me faltaram livros. Na estante da sala predominavam livros espíritas e enciclopédias, mas tenho uma irmã 5 anos mais velha que era uma devoradora de livros, e eu sempre via ela lendo quando entrava ou saía do meu quarto. Minha experiência com meus livrinhos infantis já me deu o caminho do que eu queria e assim que cheguei perto da pré-adolescência, comecei a pegar os livros dela, em especial a coleção Vagalume. Aos 11 descobri Pedro Bandeira e isso foi, com certeza, um divisor de águas. Minha maior diversão era imaginar novas histórias para a coleção “Os Karas” porque minha imaginação era muito mais rápida do que a velocidade dos lançamentos do autor. Aos 13 anos, escrevi quase um livro inteiro à mão com uma ideia para a série e enviei para ele. A carta ficou enorme! E, pra minha total surpresa, ele respondeu! Na resposta ele sugeriu que eu me tornasse escritora.

Aos 11 também escrevi meu primeiro poema. Não era leitora de poesia até então, acabava fazendo um trabalho muito mais instintivo até conhecer aquele que se tornou meu maior ídolo literário, jamais substituído, Antônio Gonçalves Dias. O conheci aos 14, de forma bastante precária na escola, inclusive no livro escolar tinha apenas alguns trechos de 3 poemas, mas ali eu sabia que tinha encontrado definitivamente meu amor pela poesia. Anos mais tarde, quando tive acesso à internet pela primeira vez, busquei pelos poemas dele e fiz minha própria antologia que carregava comigo por onde eu ia.

Sempre fui muito eclética nas leituras, também me aventurei nos romances melosos, mas creio que meus grandes influenciadores foram Mário Quintana, Maurício de Sousa, Coleção Vagalume e todos seus autores, Pedro Bandeira e Gonçalves Dias.

Você nasceu na serra gaúcha, em Caxias do Sul. Humberto Gessinger definiu em uma canção, o Rio Grande do Sul como "longe demais das capitais" (o que também acontece com os outros extremos do país, Norte e Nordeste. Qual a sua percepção sobre ser uma escritora gaúcha e como a geografia empaca sua literatura e maneira de ver o mundo?

Existe uma imagem já bem consolidada por todo país que o sulista é privilegiado. É uma imagem que foi construída pelos próprios gaúchos e negar isso seria hipocrisia da minha parte. Mas a vida real está bem longe de ser esse mar de rosas que muita gente acredita. Eu nunca tive acesso aos privilégios comuns aqui pelo Sul – grana, sobrenome influente, parentes importantes, etc. – sou filha de uma dona de casa e de um vendedor de calçados, não tenho nenhum parente ligado ao mercado editorial, tive sim uma infância privilegiada em termos materiais, mas essa realidade mudou há muito tempo. Fui ter meu primeiro acesso a uma editora aos 32 anos, então sim, meu isolamento em relação a onde o “fervo” acontece é muito real e não mudou muito conforme fui construindo minha carreira.

Geograficamente, minha localização é um problema. Nas duas vezes que estive em São Paulo (a primeira foram literalmente 24h) me senti muito próxima daquilo que vejo como a vida que eu queria, mas não tenho condições de estar presente nesses lugares, dependo dos laços criados que possam levar meu nome. Não à toa gosto de sugerir nomes para a Feira do Livro da minha cidade; na última vivi momentos incríveis com pessoas de peso, como Micheliny Verunschk, Giovana Madalosso, Antônio Xerxenesky, Paulo Scott, Maria Alice Bragança, Lilian Rocha, Mariam Pessah, Neli Germano e até Daniela Arbex, cuja mesa teve minha mediação.

Mas minha impossibilidade física de circular o país não me impede de fazer isso via literatura. Sou ávida consumidora de literatura brasileira, leio autores de todos os cantos do país e aprendo muito com eles, isso amplia muito minha visão de país e de mundo, porque acabamos nos conectando com o que está lá fora também. Como não escrevo literatura regional, penso que meus livros, ao contrário de mim, são livres para pertencer a qualquer lugar.

Você publicou em livro o poema longo "Pátria", bastante elogiado e resenhado. Como foi a produção e publicação dessa obra e qual sua relação com a poesia?

Começando pelo fim: minha relação com a poesia é quase orgânica. Minha prosa é influenciada pela poesia, escrevi minha primeira poesia sem ter quase nenhum contato anterior com o gênero, então acho que poesia é parte do meu corpo e da minha alma.

O Pátria teve um processo sofrido! Parece estranho para quem escreveu “Histórias de Minha morte” e “Já não somos os mesmos”, mas ele foi composto em duas etapas: estudar o hino nacional e revisitar a história do Brasil, e nenhuma delas é agradável. Tudo começou com o processo de escrita de “Antônio” (não-ficção sobre Gonçalves Dias, ainda inédito), ele tem dois versos no hino nacional (na verdade, tem muito mais influência do poeta no hino do que se imagina) e eu fiquei me questionando como ele se sentiria tendo seu trabalho usado em nosso hino; comecei a estudar o hino, tentar entender o que exatamente ele fala e como ele poderia se encaixar em nossa história.

Foi com esse paralelo que começaram a nascer os primeiros versos. Foi um livro desafiador também porque quis fazer o mais rimado possível, e porque o escrevi em 2021, segundo ano de pandemia, um momento desastroso que só corroborava aquela parte da história do Brasil que nem sempre aprendemos na escola. Terminei de escrever absolutamente exausta, foi disparado o livro que mais me esgotou emocionalmente (sim, novamente, mesmo eu tendo escrito livros muito mais pesados que esse).

Enviei para o André Kondo, da Telucazu, mesma editora de “Eu também nasci sem asas” e cujo trabalho tenho imensa admiração. Ele topou o risco de publicar um livro que questiona o hino e o livro saiu com uma ilustração minha na capa. Não queria nenhuma ligação com a bandeira, queria uma realidade mais crua, como a criança com uma bala nas costas. Lancei na Feira do Livro na qual fui patrona.

 

Outro livro elogiado seu é o híbrido "Santuário". Como foi o processo de escrita desse livro e como percebe o impacto sobre os leitores?

Santuário foi uma delícia de escrever! Ele me lembrou muito minhas brincadeiras de infância, em que eu construía cidades inteiras na mesa da sala com vários núcleos de personagens, cada um vivendo sua própria realidade. Me senti livre para brincar com essas realidades, com os cruzamentos entre elas, com a tragicomédia, com o sério e o escrachado, com clichês e estereótipos. Aliás, me propus a debochar deles porque não era uma história que se levava a sério.

Ele nasceu bem despretensioso, apenas uma série de contos que escrevi em um verão, numa casa de praia, num tablet velho deitada na rede. Sem qualquer intenção de misturar as duas coisas, fiz um desenho de uma igreja com casinhas ao redor. Foi só quando mandei esse apanhado de contos para a Macabéa (a editora do livro) que me dei conta o quanto o desenho tinha a ver com aquelas histórias. Mandei também e não só um fragmento desse desenho virou a capa como surgiu a ideia de eu ilustrar o livro todo.

O processo de edição foi maravilhoso, uma construção de várias mãos. Foi a editora que montou o mosaico dos contos para a composição final se tornar um romance, por exemplo. O guia turístico que acompanha o livro foi ideia minha, mas partiu da designer a iniciativa de incluir um cupom de desconto para o Clube Naite e isso foi brilhante (minha mãe adora mostrar o cupom pra todo mundo que compra ao vivo comigo!).

Além do meu próprio prazer em ter escrito e participado da edição dele, também é um livro que gera reações maravilhosas. Nesse momento ele é meu livro mais bem-sucedido em termos de vendas e resultados. Queria que ele fosse além, ainda mantenho o sonho de ele acabar no audiovisual, e nunca é tarde, então quem sabe?

 

Seu romance "Já não somos os mesmos" fala sobre um tema delicado e doloroso: o período da ditadura militar brasileira e tortura. Como foi escrever esse livro? Baseou-se em experiências que ouviu?

O foco do livro não era a ditadura em si, mas o estrago psíquico que a tortura causa; eu queria trabalhar a fragmentação da mente e isso me levou a dois caminhos distintos: a psiquê diante da dor extrema (física e psicológica) e as técnicas de tortura usadas na ditadura. Relatos de vítimas, os relatórios da Comissão da Verdade, conversas com profissionais de saúde mental e especialistas no período, e, claro, um exercício de imersão na vida e realidade da Priscila, tudo isso fez parte. Lembro que li a respeito do uso de cassetete nas genitais de prisioneiros e isso foi bem doloroso, mas quando levei isso pro livro, sobre a personagem em quem mergulhei, me senti muito mal. Aliás, eu fazia força para não amenizar os horrores que Priscila enfrentou porque eu queria de alguma forma proteger ela, mas não seria justo com quem passou por tudo aquilo eu trocar a barbárie pelo eufemismo. Eles não viveram a versão suave da história.

Priscila, especificamente essa personagem, nunca existiu, mas o estrago que fizeram com ela é real, outras pessoas – essas de carne e osso – passaram por aquilo.

Você atua como leitora crítica e é resenhista em seus projetos Escritório Literário e Bibliofilia Cotidiana. Como avalia essas ações e qual a importância da leitura crítica para quem escreve?

Criei o Bibliofilia Cotidiana com o objetivo de ter mais um canal de divulgação e valorização da literatura nacional. Logo que abri tinha acabado de me formar em jornalismo e iniciava uma graduação em letras; eu não tinha grandes pretensões, só queria ajudar nessa divulgação e tive, inicialmente, uma reação positiva de autores me mandando livros para resenha. Recebi uma crítica bem pesada, me acusando de falta de ética em estar pisando em um terreno que supostamente não me pertencia, mas foi a única e eu fui me aprimorando e ganhando o respeito de autores e editoras.

Conforme eu lia os livros para as resenhas, fui percebendo que alguns livros precisavam de um olhar anterior à publicação, aconteceu mais de uma vez de eu procurar um autor e passar algumas impressões para além do escrito na resenha, mais como uma dica para obras futuras e foi assim que surgiu a primeira oportunidade para uma leitura crítica. Uma amiga que julgava meu olhar suficientemente analítico me ofereceu um valor para que eu lesse o original dela e falasse das minhas impressões. O fiz e mandei as impressões por áudio para ela. Vi que gostava daquilo, e a própria resposta dela me deu um gás. Comecei timidamente, cobrando muito pouco e entregando um relatório simples, mas fui profissionalizando a atividade. Sigo com valores abaixo do mercado, mas aprimorei meu relatório e já vejo muito livro publicado circular com os meus apontamentos executados. É um processo bonito.

Defendo muito a leitura crítica como uma necessidade. Como escritora sei muito bem que detalhes passam, que a gente as vezes se perde, que erros acontecem e são parte do processo, e é aí que entra o leitor crítico. Ninguém escreve um livro para ser ruim, para ser mal falado, todos queremos obras que nos orgulhem e encantem o público; o leitor crítico não faz milagre, mas esta ali para auxiliar o autor nessa missão.

Seguidamente meus clientes me mandam seus livros publicados, felizes com o resultado, e eu tenho muito orgulho de contribuir com essa felicidade.

 

Você venceu o Prêmio Vivita Cartier de 2021 com o livro "Eu também nasci sem asas". Como observa as premiações literárias? Qual sua opinião sobre elas?

Eu adorei ganhar o Vivita, foi uma experiência linda, como foi ser finalista do Prêmio AGES em 2023. Entendo as críticas que pipocam nas redes sociais cada vez que sai um resultado, eu mesma me enquadro nessas críticas porque sei que tenho pouquíssimas chances de furar a bolha e entrar pro olimpo dos laureados enquanto publicar por pequenas editoras, mas pessoalmente eu os cobiço. De verdade, não vou negar que quero demais ganhar quantos prêmios me forem possíveis.

Alguns prêmios mudam em definitivo a vida de um autor, outros não têm a mesma sorte, mas um prêmio grande no currículo aumenta as chances de sair da sombra, de ser vista e lida, de ser ouvida porque adoro falar em público e não sou um nome cogitado para grandes eventos. Não crio expectativas de me tornar uma best seller e viver de literatura por causa de um prêmio, mas a esperança é inevitável, porque eu quero poder viver de literatura e isso jamais será possível se eu não tiver uma mola propulsora.

As críticas são extremamente válidas porque vemos uma predominância dos mesmos selos (e igualmente não nego que os queria nas minhas capas) e isso não é porque eles deram a sorte de reunir os melhores do país em seu catálogo, mas porque muita gente boa não tem o mesmo acesso. Igualmente nem sempre o resultado parece justo, mas são pessoas julgando, com gostos pessoais. Já fui jurada, fui o mais idônea possível, mas o nosso resultado não foi unânime, se fosse outro corpo de jurados é possível que o vencedor fosse outro.

Inclusive tanto Santuário quanto Já não somos os mesmos foram livros que recebi mensagens de pessoas que achavam que mereciam prêmios, o segundo chegou a ser finalista em um dos muitos concursos em que foi inscrito mas não ganhou. É questão de estar nas mãos certas. Não me sinto injustiçada porque isso pressupõe que a vitória alheia não foi justa, mas eu vou seguir perseguindo a minha vez.

 

Você se assumiu assexual no ano de 2019 e vem atuando na informação sobre assexualidade desde então, inclusive abordando o tema em sua literatura. Como avalia a informação (ou não informação) sobre essa orientação sexual e como vê a abordagem da literatura atual sobre sexualidades não convencionais?

Diria que basicamente o que mais tem é desinformação. Não superamos o básico ainda, que é entender que somos assexuais, não assexuados, mesmo que falemos em orientação sexual, não sexuada, ou que os demais são heterossexuais, homossexuais, bissexuais, não faz nenhum sentido sermos designados como assexuados. Se não superamos algo tão simples e lógico, imagina a compreensão sobre o tema?

Quando lancei o “Todo mundo gosta de sexo – eu nunca fui todo mundo”, tive a impressão de que a editora esperava um grande barulho por ser um tema praticamente nada explorado na literatura além da técnica na área de sexualidades (que também tem pouca coisa), mas eu sabia que o movimento seria outro, eu já tinha tentado em 2021 trazer a minha história em versos e não foi nada além de dor de cabeça e frustração.

Como eu esperava, ele não gerou uma grande onda de curiosidade ou sequer conseguiu se integrar com as demais literaturas da sigla, mas não posso ignorar que livros com temática gay e lésbica demoraram décadas para se consagrar por conta da resistência do público, seria muita pretensão a minha acreditar que poderia vencer essa resistência com a assexualidade em poucos meses.

 

Você foi reconhecida com o título de Patrona da Feira do Livro de Caxias do Sul em 2022. Como se sentiu com esse reconhecimento na terra onde nasceu e qual a importância de, como diz o ditado, santo de casa fazer milagre?

Bom, devo dizer que santo de casa não faz milagre! Meus livros só estiveram disponíveis em uma banca e não tive vendas expressivas para uma patrona, mas isso é tudo de negativo que tenha para falar da experiência, porque ela foi incrivelmente linda.

Frequento a Feira desde sua primeira edição, quando tinha apenas 2 anos de idade. 38 anos depois era eu no palco coordenando a abertura oficial. Ia para feira todo dia de manhã, gravava um programinha com dicas de livros que eu mesma criei, desejava bom dia e boas vendas para todos os livreiros, sempre acompanhada de minha mãe. Juntas conseguimos prestigiar a feira inteira, com ela visitando as sessões de autógrafos se eu tivesse mesas para prestigiar no mesmo horário.

Minha mãe foi apelidada de “mãetrona”, fui inclusive citada nos discursos de abertura da Feira de 2023 e criei laços que guardo pra sempre no coração.

O patronato da Feira do Livro de Caxias do Sul de 2022 foi uma das maiores e mais bonitas realizações da minha vida. Sou muito grata aos que me elegeram e que me receberam com tanto amor, porque houve amor e não foi pouco. A Feira é minha segunda casa desde sempre, ela me pertence e eu pertenço a ela.

Independente de vendas de livros, sei que deixei minha marca na história da cidade, e a feira deixou sua marca em mim.

 

Na sua opinião, existem intercâmbios regionais em termos de literatura? No Sudeste leem o que se escreve no Sul e no Nordeste, por exemplo? Os gaúchos leem literatura nortista e nordestina?

Infelizmente, vejo pouco desse movimento. Eu o faço no Bibliofilia, mas o que eu percebo é a vitória esmagadora da literatura estrangeira. Se você fizer uma pesquisa rápida nas ruas, dependendo de onde estiver, talvez ouça um Jorge Amado ou Ariano Suassuna na literatura nordestina, um Érico Veríssimo na sulista, talvez a nortista sequer seja citada, e talvez sejam citados autores consagrados atribuídos às regiões erradas.

Não é nem uma questão de falta de intercâmbio entre literaturas, é falta de conhecimento do Brasil como um todo. Eu mesma já passei pela situação de pessoas ficarem surpresas porque eu vivo no interior do Rio Grande do Sul, e não na capital paulista, por exemplo. Parece que tudo o que é brasileiro vem do centro do país, então às vezes o intercâmbio pode estar acontecendo e as pessoas nem sabem disso.

Essa é a grande importância, por exemplo, dos nortistas estarem cada vez mais fincando o pé de onde eles vieram. Monique Malcher é uma autora que vejo fazendo isso bastante, e acho bonito de ver. Na minha visão, o Norte é a região menos prestigiada do país, mesmo com toda a riqueza que tem.

Bonito mesmo vai ser o dia que o Brasil inteiro descobrir o Brasil por inteiro. Em termos de literatura, posso garantir que vai ser uma descoberta incrível!