Uma das maiores artistas na escultura em madeira, Luzia Dantas vive em Currais Novos
É Típico!
Mestra na arte da escultura em madeira, a seridoense é objeto de pesquisas na UFRN desde os anos 1960. Veja exposição virtual
11 de março de 2021
O aniversário da escultora Luzia Dantas foi celebrado em 27 de fevereiro, mas uma vida como a dela não se resume a uma data festiva. Patrimônio vivo da cultura potiguar e reconhecida nacionalmente, Luzia é uma das grandes escultoras do nosso estado de todos os tempos — mesmo que os problemas de saúde a tenham forçado uma pausa, ela não quer parar. Na última quinta-feira (04), tomou a primeira dose da vacina contra a Covid-19. E nas horas vagas, pequenas obras de arte ainda brotam das suas mãos. Uma habilidade que não se perdeu ao longo dos anos. Nas mãos dela, um pedaço de umburana ganha vida e movimento.
Na semana em que se comemora a trajetória de mulheres inspiradoras, o Museu Câmara Cascudo destaca, de forma virtual, o acervo da artista, uma das referências na pesquisa da arte popular do MCC. Para ver a coleção basta clicar no link AQUI
Luzia começou a entalhar ainda na infância, no sítio Cachoeira, município de São Vicente, onde nasceu em 1937. Fazia os próprios brinquedos, como cachorros, gatos, coelhos... A inspiração pode ter vindo dos bonecos que a mãe fazia com cascas de melancia. É que, por ali, ninguém trabalhava na madeira daquele jeito e, só depois, Luzia descobriria ser uma arte e a fonte do seu sustento.
Aos poucos, começavam a chegar as primeiras encomendas. Primeiro, da própria vizinhança, mais brinquedos para a meninada, logo vieram as encomendas de santos e Luzia aprendeu a afiar os olhos e as ferramentas para esculpir tudo o que via ao seu redor.
Ela até tentou esculpir na pedra, mas fazia muita poeira e cegava os instrumentos de trabalho. Luzia gosta mesmo de trabalhar a madeira da Umburana, árvore comum na Caatinga. Começa com um facão para conseguir o tamanho ideal, depois usa trinchas e sovelas para dar forma à nova escultura. Só depois da peça lixada é que começa o acabamento.
A peça pronta, Luzia entrega para o mundo. Ela perdeu as contas de quantos trabalhos já fez e nem tem ideia de onde foram parar suas obras. Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Estados Unidos, Portugal. Dizem que até o Papa tem uma escultura assinada por ela. Há mais de 30 anos vive em Currais Novos.
A fé do sertanejo é inspiração da obra "O Frade Confessado", de Luzia Dantas. Foto: MCC
Luzia no museu
No começo dos anos 2000, Luzia Dantas esteve no Museu Câmara Cascudo para receber o catálogo com a sua obra no acervo da instituição. Ela deixou de lembrança uma pequena coroa, confeccionada ali mesmo, durante o evento. Não foi a primeira vez. A arte de Luzia é objeto de pesquisas na instituição desde os anos 1960, no então Instituto de Antropologia. Ela até contou para a equipe pedagógica do MCC que aprendeu a fazer o movimento dos animais na escultura da vaquejada ao observar as obras de Xico Santeiro - outro importante mestre potiguar da escultura - no acervo da instituição.
A arte de Luzia Dantas teria sido “descoberta” pelos pesquisadores Veríssimo de Melo e Câmara Cascudo ainda nos anos 1960, com direito a citação em seus livros. No final da década de 1970, participou das pesquisas do programa Bolsa Trabalho Arte. Volta no ano 2000, na pesquisa Santeiros e Devoções, da professora Wani Pereira e no projeto Vernáculo, de 2012.
Suas obras formam uma das mais antigas coleções no acervo do museu. São 25 obras, incorporadas entre os anos 1960 até a primeira década dos anos 2000. Os trabalhos retratam na madeira, o cotidiano do sertanejo como "Mula com Barris" (1962), "Vaqueiro com boi"(1963), "Casa de farinha" (1965) e "Construção de açude" (1965), com um estilo realista, quase como a fotografia daqueles momentos.
Escultura "Construção de açude", de 1965
A obra de Luzia também representa a devoção católica dos seridoenses, quando ela recupera inspirações barrocas em obras como "Cristo" (1965), "São Miguel" (1980), "Nossa Senhora Aparecida" (2006) e "O frade confessando" (1980), também representadas no acervo do MCC.
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