Zé Ramalho, Peninha, Hyldon e Raul compuseram músicas para artistas que as recusaram

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Músicas brasileiras recusadas pelos intérpretes que fizeram sucesso nas vozes de seus autores

Recusada por Roberto Carlos, "Eternas Ondas" acabou estourando com o próprio autor, Zé Ramalho. Conheça outras histórias

09 de julho de 2023

Por Costa junior

A música tem o poder de transcender fronteiras e encontrar caminho ao público de maneiras surpreendentes. Às vezes, uma canção é criada para um cantor em mente e acaba ganhando êxito interpretada por outro artista. No cancioneiro popular brasileiro existem vários exemplos claros em que muitas músicas se destacaram nas vozes de cantores diferentes, justamente daqueles para os quais   foram originalmente destinados.  São diversas canções que  receberam vida nova e alcançaram o reconhecimento com outros artistas.

  Um dos exemplos notáveis é a música “Eternas Ondas” composta por Zé Ramalho que tinha um destino certo, o cantor e compositor Roberto Carlos. Mas ele decidiu não gravar em seu disco, lançado em 1976, por achar que não encaixava com seu estilo e preferiu incluir a “Menina e o Poeta” de Wando. No entanto, a música que mescla o misticismo com a religiosidade, carregada de metáforas e que conta uma das passagens bíblicas mais antológicas, o Dilúvio, encontrou um lar nas mãos de Raimundo Fagner, que a incluiu em seu álbum de 1980.  Desde então, a canção se tornou um acontecimento, transcendendo as fronteiras brasileiras e conquistando admiradores até os dias atuais.

Uma história interessante sobre a música "Sozinho" e suas diferentes interpretações ao longo dos anos. O produtor Guto Graça Melo pediu ao compositor Peninha uma música para o disco de Fábio Júnior que ia ser lançado em 1985. Ele mandou a canção “Sozinho” e ao escutá-la Fábio exclamou: “Não gostei, não é isso que eu quero”. Já escrita e Guto, apaixonado pela música, apresentou a Sandra Sá, que de imediato adorou. Sendo a primeira intérprete a gravá-la, no ano de 1996, no disco “A Lua Sabe Quem Eu Sou”. O sucesso foi tão grande, que a cantora vendeu mais de 800 mil cópias de discos e no ano seguinte levou o prêmio Sharp de melhor música. 

Ainda falando sobre a composição de Peninha, ela foi inspirada na sua filha Clariana Alves, quando ela tinha 14 anos. Ele um certo dia a encontrou chorando por causa de uma “briga” com seu namorado. Na conversa de pai para filha sobre a crise do relacionamento, ela falou a frase. “Quando a gente gosta é claro que a gente cuida". Esses versos inspiraram a composição da letra. Outra curiosidade é que originalmente a música nasceu com alma feminina chamada "Sozinha”, como aliás está registrada no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). A mudança foi feita para o gênero masculino quando Caetano Veloso regravou a canção em 1998 no disco “Prenda Minha".

Hyldon, cantor baiano nascido em 1951 e criado no Rio de Janeiro desde os 14 anos, é reconhecido pelo seu estilo único e influente na soul music brasileira. Sua trajetória musical é marcada por composições originais e uma abordagem única do gênero. Nos anos 60 compôs uma música com o nome de "Gioconda", estilo de blues e ofereceu a Tim Maia, que sugeriu uma mudança no título para torná-la mais comercial. Não concordou com a sugestão do amigo e parceiro, decidiu guardar a canção. No ano de 1970 a oportunidade surgiu para que ela fosse incluída no disco de Jerry Adriani, produzido por Raulzito.  Gioconda também foi a musa inspiradora para a canção "Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda", lançada no seu primeiro álbum em 1975, e que se tornou decisiva para a consolidação da sua carreira.

"Medo da Chuva" é uma das canções mais populares e queridas da carreira de Raul Seixas. Ela foi escrita em parceria com Paulo Coelho, destinada ao cantor Odair José para ser gravada no seu disco lançado em 1973. Com a recusa, por conta do tempo para incluí-la no álbum, o próprio autor acabou gravando no seu disco “Gita” em 1974. A letra retrata a história da separação do seu primeiro casamento e expressa a sensação de libertação e prontidão para iniciar uma nova fase de vida. Ela se tornou importante na sua discografia e é reconhecida como um clássico do rock brasileiro.

São diversas canções populares que foram direcionadas originalmente para um artista, mas que só conseguiram obter êxito esperado, quando interpretadas por outros. "Aquarela do Brasil", foi composta por Ary Barroso e originalmente gravada por Francisco Alves em 1939. No entanto, ganhou destaque internacional quando foi cantada por artistas como Carmen Miranda, Frank Sinatra e Ella Fitzgerald. Assim aconteceu com "Águas de Março”, composição de Tom Jobim, gravada originalmente em 1972 em dueto com Elis Regina. Alcançou reconhecimento universal quando foi reinterpretada por nomes como David Byrne e Marisa Monte.


*Formado na UFRN, Costa Júnior atuou como repórter na imprensa potiguar e acreana, além de ter sido editor por várias décadas do jornal O Ponta Negra, que circulava na zona sul de Natal. É pesquisador cultural e fã de Raul Seixas.