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Reportagens

"Não olhe para cima": O que você faria, se só lhe restasse esse dia?

Comédia macabra estreou na Neflix e divide opinião de cinéfilos

25 de dezembro de 2021

Cefas Carvalho

"Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria..."

Esses são versos da conhecida canção de Paulinho Moska que tratam de um tema cara a nós, pobres mortais: o fim do mundo, ou seja, o abreviamento da vida. Na verdade, a vida só é suportável com o desconhecimento de quando será o nosso fim, seja individual ou coletivo. O tema do ´fim do Mundo` fascina e assusta porque justamente coloca uma data determinada para que tudo - Mundo, Vida - termine.

O Cinema sempre tratou desse tema. Geralmente no formato de filmes-catástrofes, quase um sub-gênero de Ação, ao estilo ´Independence Day` na qual uma ameaça pode extinguir a vida na Terra e, como canta a música de Moska, a maioria dos personagens se vê no dilema de pensar o que faria se só lhe restasse aquele dia (ou mais alguns) enquanto uns poucos enfrentam a ameaça e a vencem, como é de praxe do cinemão comercial, salvando assim, a vida de todo mundo.

Pois "Não olhe para cima", filme com elenco estrelar, dirigido por Andy McKay, cineasta em ascensão (fez "A grande aposta", que gostei muito e "Vice", que considerei mediano embora necessário) e maior aposta da Netflix neste ano, se trata de comédia macabra com ares de distopia que estreou na véspera do natal na plataforma e já vem dividindo opiniões e causando celeumas. Muita gente qualificada detestou e criticou o filme. Outros igualmente experimentados em Cinema elogiaram e enalteceram as qualidades do longa. Fico neste segundo time. Gostei muito do filme, que consegue divertir, emocionar, gerar tensão, causar indignação e identificação e convidar à reflexão sobre os tempos atuais além de críticar duramente muita coisa, fazendo paralelos com o que vivemos atualmente nos EUA e também no Brasil.

Sobre a trama: Uma dupla de astrônomos (Leonardo Di Caprio e Jennifer Lawrence) faz a descoberta de que um cometa gigante vai se chocar contra a Terra (e destruí-la) em poucos meses. Como tem de ser, são levados a comunicar o fato à presidente dos EUA, que é uma mulher de Direita, demagógica e negacionista (Meryl Streep, como sempre ótima) e como a Casa Branca prefere politizar o fato e mesmo negociar possíveis lucros com o cometa com uma mega empresa de tecnologia, os dois fazem uma campanha na mídia para alertar a população mundial. Claro, muita gente não acredita, eles acabam virando celebridades (para o bem e para o mal) e as coisas saem totalmente de controle enquanto o cometa se aproxima.

A história gravita entre a estrutura de filme catástrofe clássico de Hollywood e a comédia sarcástica. Mas, se situa sempre no segundo campo. O roteiro, brilhante, tal qual Ciro Gomes aponta a metralhadora contra tudo: jornalismo televisivo, mundo pop, redes sociais, tecnologia, governos de direita, negacionismo, consumismo.

"Ia manter sua agendaDe almoço, hora, apatia
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia?

Andava pelado na chuva
Corria no meio da rua
Entrava de roupa no mar
Trepava sem camisinha"

Como pergunta Moska na canção, no filme a proximidade do cometa (ou seja, do fim) bagunça a vida dos personagens, Traições, fim de casamentos e namoros, libidos remexidas. Parte da população incrédula, mas, temerosa; outra parte afetada diretamente pelo iminente fim. Para além da análise do comportamento humano, é possível fazer paralelos diversos com a realidade (que é tão distópica quanto qualquer filme). A presidente Orlean tem o filho limitado e falastrão como chefe de gabinete e conselheiro (lembra Trump e também um certo presidente de país sul americano, não é?). No primeiro programa de tv que os astrônomos vão, a separação de um casal de cantores pop é o assunto que mais chama a atenção. Criativo, o filme exibe na tela de forma recorrente prints de redes sociais com as reações aos atos dos personagens.

Longo para os padrões modernos e da Netflix (2h15) o filme poderia ter uma meia hora a menos, mas o diretor considerou que tinha muito a dizer, e até tem. No terço final do filme, ele explicita as posições políticas dos personagens, e a trama se torna uma batalha entre ciência x negacionistas, na qual um movimento político (formado majoritariamente por brancos ricos, nenhuma surpresa) criado explica o nome do filme. O longa evoca, pela narrativa em forma de farsa, o clássico "Dr, Fantástico", de Stanley Kubrick (1964) e particularmente na reta final, também o belo "Melancolia", de Lars von Trier (2012). Em suma, uma comédia macabra com um final muito, muito diferente, e que pouco antes do clímax mais poético chega a lembrar "Melancolia", filme de Lars von Trier que mais gosto, que tem como plot justamente um planeta que vai colidir com a Terra (e o efeito que isso causa nas pessoas). Enfim, filme que vai concorrer e ganhar prêmios, que debate temas atuais e importantes e que vai aborrecer, divertir ou fazer rir o espectador dependendo da visão que ele tem da realidade, do cinema e da vida.

Registro ainda a cena em que o astrônomo Mindy (Di Caprio) surta em meio a uma entrevista de tv e pergunta aos gritos olhando para a câmera:

"O que aconteceu com a gente?
O que nos tornamos?
Como vamos consertar isso?".

Ele fala sobre a incredulidade e inércia do Governo e da população sobre uma tragédia prestes a acontecer, mas a pergunta vale para os EUA de Trump, o Brasil de Bolsonaro e um 2021 com movimento anti-vacina e terraplanismo. O filme dialoga com nosso cotidiano. 

Mas, afinal, o cometa pode estar prestes a se chocar contra a Terra, sabe-se lá.

E o que você faria se só te restasse um dia?