Fachadas de um patrimônio rico que precisa ser mais apreciado. Arte: Julia Chaves

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Não só de belezas naturais vive o Rio Grande do Norte

Infelizmente, a beleza da arquitetura histórica potiguar é pouco valorizada entre os turistas e principalmente pela população local

27 de outubro de 2021

Julia Chaves | Arquiteta e Urbanista

O Rio Grande do Norte é um estado conhecido por seu turismo, sendo os principais pontos turísticos, em sua maioria, paisagens naturais exuberantes que realmente merecem ser valorizadas e preservadas. Contudo, o estado potiguar, além destas belezas naturais, possui também uma riquíssima história de mais de meio milênio que é contada através dos inúmeros exemplares do patrimônio arquitetônico.

Infelizmente, a beleza da arquitetura histórica potiguar é regularmente pouco valorizada entre os turistas e principalmente pela população local, que muitas vezes não tem a dimensão da riqueza patrimonial que tem em suas mãos. O patrimônio arquitetônico local é a materialização da memória de seu povo e por isso é importante entender que não só de belezas naturais vive o Rio Grande do Norte.

O estado potiguar completou 520 anos de história em 2021, esta data faz referência à colocação dos primeiros marcos no litoral potiguar por Gaspar de Lemos, sendo o Marco de Touros o único marco remanescente. Inegavelmente, as terras do RN já estavam habitadas pelos povos indígenas originários e esta história é muito mais longa e rica, porém infelizmente poucos vestígios desta ocupação resistiram a passagem do tempo.

Desta forma, podemos levar como referência esta data para o entendimento da história do patrimônio arquitetônico potiguar, observando que atualmente diversas edificações em várias cidades do estado exibem mais de meio milênio de história, desenvolvimento e identidade social que vão desde a colonização, fundação das cidades, exploração de recursos naturais, passando pela busca por modernidade e expansão até  belíssimas obras modernistas e posteriormente contemporâneas.

A edificação mais antiga preservada do estado é do Forte dos Reis Magos, construído em 1599 e preservado até a atualidade. A partir de então, de acordo com alguns estudiosos, o nosso estado possui 4 fases arquitetônicas em sua trajetória, sendo elas a colonial, a eclética, a protomodernista e a moderna. Apesar da capital do estado, Natal, possuir uma grande quantidade destas edificações com valor histórico, existem bens patrimoniais espalhados por várias outras cidades potiguares, como em Acari, Currais Novos, Caicó, Macaíba, Canguaretama, Pedro Velho, Vila Flor, Serra Negra do Norte, Mossoró, São José de Mipibu, Nísia Floresta, além de inúmeras outras.

Para a Fundação José Augusto (2014), cada edificação potiguar preservada “[...] é uma página viva da nossa história[...]” pois “em suas linhas,  podemos ver mais do que estilos arquitetônicos, o crescimento da economia, os avanços tecnológicos, as transformações políticas, a evolução dos usos e costumes sociais, a criação da arte e da cultura que nos definem” (FJA/TI, 2014) e Rio Grande do Norte possui uma coleção riquíssima  e importante. 

Infelizmente, mesmo com toda esta importância histórica e riqueza arquitetônica, o patrimônio edificado potiguar encontra-se “[...] em constante ameaça.” (Assunção, 2018). São inúmeros os casos de abandono, demolição, desabamento e descaracterizações permanentes feitas em edificações históricas que mostram o descaso e a não valorização das mesmas por sua população. Centros históricos potiguares muitas vezes são sinônimos de locais vazios ou inseguros. De acordo com uma pesquisa feita por Melo Filho e Bezerra, divulgado em 2020 na Revista Casos e Consultoria, “[...] foi constatado que 14% dos entrevistados [universitários] desconhecem quais são os patrimônios que precisam de melhoria em Natal, número alarmante que mostra pontual desinformação ou desinteresse da comunidade” (2020).

Esta situação é muito problemática, pois, como já dito anteriormente, o patrimônio arquitetônico local é a materialização da memória de seu povo e a perda destas edificações acarreta no extermínio da história e consequentemente na dissociação da população com sua identidade social, espacial e temporal. A Arquiteta e Urbanista caicoense, Lívia Nobre, em sua revista Arcaicó, faz uma importante colocação ao relembrar que o patrimônio histórico local é tão importante  como grandiosos monumentos e patrimônios mundiais, pois representa “[...] a história dessa cidade e de seus moradores. 

Tal qual um marco histórico europeu é importante para a humanidade, nossos prédios e nossa cidade são importantes para nós, pois são o registo concreto da nossa história e dos nossos costumes” (Oliveira, 2015). Edificações históricas carregam em seus traços grande significado social, histórico, artístico e arquitetônico para seu povo e são portadores “[...] de uma mensagem do passado, mas que só tem sentido se for usufruído no presente [...]” (Carsalade, 2013).

É imprescindível ressignificar esse olhar para o patrimônio potiguar e para isso é necessária a participação da população como um todo, agentes de governo e profissionais da área. A conservação de um bem histórico não é  algo estático, como alguns acreditam, mas sim, pode ser a combinação do respeito histórico com a funcionalidade e o progresso da atualidade. Afinal, de acordo com Assunção (2018), “[...] O olhar para o passado revela a vocação de uma cidade a sempre se reinventar”. 

Desta forma, os potiguares precisam reconhecer e valorizar suas edificações históricas urgentemente, pois o estado possui um acervo vasto e rico que conecta a população com a sua identidade social e cultural. É necessário enxergar o passado para construir um futuro melhor e proteger  as edificações histórica é uma etapa muito importante neste processo. O Rio Grande do Norte não vive apenas de belezas naturais, mas também de muita história, progresso e patrimônio cultural,  PRECISAMOS PRESERVAR NOSSO PATRIMÔNIO!! 

Para conhecer e entender melhor o patrimônio arquitetônico potiguar te convidamos a acompanhar esta coluna, pois por aqui falaremos muito mais sobre as belezas edificadas do nosso estado. Além disso, te convidamos para acessar também o Blog Júlia Chaves Arquitetura e seguir nosso Instagram @juliachavesarq, onde semanalmente a arquitetura e a história de uma edificação histórica potiguar é colocada em pauta.


FONTES:
• CAVIGNAC, Julie A.; ALVEA, Carmem (Coordenação). Guia Cultural Indígena Rio Grande do Norte. Natal: Flor de Sal, 2019. 130 p. • CARVALHO, Júlia Chaves Nunes de. ANTEPROJETO DE REUSO: Centro Cultural Francisco Alves Bay. 2018. 100 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018. Disponível em: http://monografias.ufrn.br/handle/123456789/7589 . Acesso em: 23 out. 2021.
• OLIVEIRA, Lívia Nobre de. ARCAICÓ: uma experiência virtual de reconhecimento do patrimônio arquitetônico caicoense. 2015. 69 f. TCC (Graduação) - Curso de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.
Disponível em: https://monografias.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/1951/1/ArquiteturaCaico_Oliveira_2015.pdf . Acesso em: 23 out 2021.
• MELO FILHO, Hélio Teodósio de; BEZERRA, Heriberto Silva Nunes. O direito à memória potiguar: um estudo sobre o abandono do patrimônio histórico-cultural, arquitetônico e urbanístico de natal/rn entre 2007-2018. Revista de Casos e Consultoria, Natal, v.11, n. 1, p. 1-21, 23 out. 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/casoseconsultoria/article/view/22375/13410. Acesso em: 23 out. 2021.
• ASSUNÇÃO, Gabriela. Patrimônio cultural potiguar: história, memória e narrativas do presente. Urbana: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, [S.L.], v. 9, n. 3, p. 499-520, 14 jul. 2018. Universidade Estadual de Campinas. http://dx.doi.org/10.20396/urbana.v9i3.8649547. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8649547/pdf. Acesso em: 23 out. 2021.
• CHAVES, Júlia. O Casarão Eclético Demolido. Júlia Chaves Arquitetura, Natal, 27 maio 2021. Disponível em: https://www.juliachavesarq.com/post/o-casar%C3%A3oecl%C3%A9tico-demolido. Acesso em: 23 out. 2021. • FJA/TI. Patrimônio Cultural Potiguar: Arquitetônico. Fundação José Augusto, Natal, 02
jan. 2014. Disponível em: http://www.cultura.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=17130&ACT=&PAGE =0&PARM=&LBL=Patrimonio+Cultural+Potiguar. Acesso em: 23 out. 2021.