Imóvel chamava a atenção por reunir uma variedade de elementos estéticos. Foto: Anderson Tavares

Reportagens

Natalenses lamentam derrubada às pressas de casarão icônico de Natal

Do sobradinho ao casarão modernista, o desaparecimento da memória arquitetônica de Natal

22 de setembro de 2020

Cinthia Lopes

A demolição sumária de mais uma emblemática casa modernista do bairro de Petrópolis provocou uma comoção nas redes sociais. A residência localizada na Rua Joaquim Manoel, número 731, em Petrópolis (em frente à praça Aristófanes Fernandes) era um dos poucos exemplares da arquitetura moderna em Natal ainda em bom estado de conservação— até pouco tempo no local funcionava um salão de recepções.

Chamava a atenção por reunir uma variedade de elementos do estilo moderno como a fachada livre, terraço, janela em fita e área sustentada por pilotis. Além de estéticos como a rampa em formato helicoidal, arcos de cerâmica e o teto com recorte geométrico em borboleta. Para quem a estudava, a casa tinha um valor incalculável pela diversidade de revestimentos, dentre os quais se destacava o painel de jangadeiro feito de cacos de cerâmica. Em 2012 foi parcialmente descaracterizada para abrigar uma loja de decoração.

A casa em 2009, antes da descaracterização. Foto Anderson Tavares de Lyra. E a área demolida.

Nas redes sociais, internautas lamentavam o desaparecimento de mais um elemento da história paisagística da capital. A Procuradora do Estado Marjorie Madruga lamentou  que "aqui nesta terra agridoce, cada dia mais azeda, a arte e a memória são continuamente tratadas como coisa sem valor, insignificantes, revelando o nível civilizatório desta sociedade e dos seus desgovernos". O jornalista Moisés de Lima escreveu que o exemplar modernista foi “varrido às pressas em um final de semana, em uma demolição sorrateira e escondida, feita para que poucos a vissem”.

 A maioria arrisca o palpite que no local será construída uma filial de redes de farmácia. Vale lembrar que a especulação imobiliária envolvendo redes de drogarias já é uma prática em Natal. Nesse processo muitas casas antigas foram ao chão.

Em 2015, arquitetos fizeram um ato de protesto em frente aos escombros do sobradinho da av. Nilo Peçanha onde funcionou o Conservatório de Música Frederico Chopin, demolido para abrigar uma drograria Globo.  

Na dissertação de mestrado "Meio século de Arquitetura - Um panorama da produção modernista natalense 1930 - 1980",  a arquiteta Maria Heloisa Alves de Oliveira analisa a disseminação da linguagem moderna até breve destruição desta arquitetura jovem e ligada a identidade nacional, a partir da década de 1980. “Foi a partir dessa década que presencia-se um feroz fenômeno de dilapidação de edifícios mais antigos, sobretudo os modernistas, localizados, na maioria, em áreas economicamente valorizadas que vem sendo intensamente verticalizadas”. A casa da Rua Joaquim Manoel foi um dos prédios estudados no trabalho acadêmico.

A ilustre moradora Dona Nadir, seu filho e o pesquisador Anderson Lyra, em frente ao mural do jangadeiro, criado por Aguinaldo Muniz.

A casa de Dona Nair e Enoch

Os primeiros moradores daquele casarão foi o casal Nadir Meira Garcia (1917-2008) e o advogado, ex-deputado e delegado Enoch de Amorim Garcia, conhecido por ter atuado para conter a crise provocada pela Intentona Comunista de 1931.

Dona Nadir ficou na sua residência até seu falecimento.  O historiador Anderson Tavares de Lyra tem uma coleção de imagens feitas em 2009, na época em que a ilustre moradora ainda viva, recebia os convidados. Ele lembra que o painel representando o jangadeiro foi uma concepção de d. Nadir Garcia e executado por Aguinaldo Muniz, “com sobras de azulejos empregados em outros cômodos da casa”.

Nascida em 16 de setembro de 1917, na cidade de Macaíba, era filha de João Meira e Amélia Názia de Mesquita. Casou em 16 de junho de 1936 com Enoch de Amorim Garcia, com quem teve Roosevelt, Franklin, Wallace, Ana e Enoch.