Nicolau Bigois e sua família em reprodução cedida por familiares

É Típico!

Nicolau Bigois, o austríaco da água encanada e das ruas de Cidade Nova

Em Acta Diurna, Câmara Cascudo escreve que a cidade de Natal deve a Bigois o povoamento de futuros bairros e a participação em muitos setores

02 de maio de 2021

A história do austríaco Nicolau Bigois está atrelada a criação da primeira empresa de águas de Natal, que deu origem a Caern. Mas o comerciante que aqui chegou em 1880 atuou em muitos outros setores e foi responsável pelo incremento de áreas urbanas de Natal, como o futuro bairro de Cidade Nova, nos limites entre Petrópolis e Ribeira, segundo escreveu Câmara Cascudo em sua Acta Diurna (ver abaixo na íntegra).  Abriu ruas e acessos, também foi dono de importadora e de uma empresa de iluminação pública, e foi dono de um navio a vapor chamado Rio Grande do Norte.

Integrou o movimento abolicionista como membro da Sociedade Libertadora Norte-Rio-Grandense, fundada em 1888  pelo Padre João Maria, no Teatro Santa Cruz. O elegante senhor que ‘usava suíço e um pedaço de barba em cada lado do rosto, dando uma impressão dos conselheiros do Império’, construiu sua casa na ladeira da hoje Av. Deodoro. Um de seus parentes contou que todo o material para a construção veio de Portugal e ele construiu até uma capela para casar as filhas. Era um homem de cultura e foi um dos apoiadores na construção do Theatro Carlos Gomes.

Águas e ruas

No século XIX o abastecimento d´água de Natal era feito em barrica no lombo de burro, e a cidade contava ainda com uma bica, nas imediações do Baldo e uma cacimba, no bairro da Ribeira. Em 1882 o dinamarquês Felipe Leinhart organizou o primeiro sistema de distribuição e buscou como sócio o comerciante Nicolau Bigois. Assim nasceu a Empresa de Águas de Natal. Logo passou a pertencer somente a Bigois a empresa cresceu e se desenvolveu, mas foi arrendada ao Governo do Estado em 1910, após a morte de Bigois (1907) quando a viúva se desfez da empresa.

Sobre Nicolau Bigois, Câmara Cascudo escreveu no texto abaixo publicado em Acta Diurna:

ACTA DIURNA: NICOLAU BIGOIS

Luís da Câmara Cascudo

A República, Natal, 08 de agosto de 1947*

Depois da Igreja do Bom Jesus até o pé dos morros do Areial e para a Bica da Telha, rumo do Belmonte ou Monte, depois Petrópolis, subiam coqueiros e se estiravam as ramagens das salas e mangiriobas franzinas, mato ralo e ainda mais raras casinhas.

Aí por 1884 as casinhas de palha iniciavam a futura e problemática rua de Santo Amaro, rua General Glicério atualmente e por motivos que ignoro e certamente o leitor não sabe, esse nome ficou.  

Em 1880 chegara a Natal Nicolau Bigois, (ou Bigovich), austríaco da Dalmacia depois passada para Itália, hoje com a Iugoslávia e amanha não sei mais de quem.

Começou negociando, ganhando dinheiro, fazendo relações. Era um homem forte, de estatura mediana, vestindo bem roupas escuras, colarinho imaculado. Usava suíço, um pedaço de barba em cada lado do rosto, dando uma impressão dos conselheiros do Império e dos banqueiros nos dramalhões de outrora.

Cheio de planos, Nicolau Bigois falava idiomas, conversava bem e recebia em casa os amigos como um magnata húngaro, como copo inesgotável e mesa farta.

Foi, com Felipe Leinhardt, dinamarquês, o proprietário do serviço d’agua encanada. Ficando depois de 1901 proprietário único, ampliou as instalações, mandando abrir as grandes cacimbas. Construiu para ele a residência nobre, no gosto dálmata, senhorial, enorme, com um ar de Paço Ducal, os telhados vermelhos aristocratizando o verde da paisagem tropical.

Para fiscalizar os cacimbões mandou abrir picadas que se tornaram caminhos e depois estradas largas, amassadas pelos automóveis. Deve a cidade do Natal o povoamento daquela parte. Abriu passagem, derrubou o mato possibilitando o acesso.

Dezenas e dezenas de casinhas surgiram rodeando o casarão fidalgo. Os sítios antigos que cobriam todo o terreno foram sendo loteados, vendidos em fração e as residências nascendo; pequenos comerciantes, empregados públicos, trabalhadores dos estaleiros da rua Silva Jardim então Rua da Praia, Rua do Canto, Rua Dez de Março, escolheram a tranquilidade da região para morar.

Nicolau Bigois faleceu a 28 de julho de 1907. No futuro bairro que ele criou as ruas se multiplicaram e se multiplicarão...Alguma tem o nome do criador...

*Fonte: Arquivo do Ludovicus - Instituto Câmara Cascudo