Hotel Fazenda Santa Fé possui um conjunto de prédios preservados. Foto Cinthia Lopes

É Típico!

No caminho do Maracatu mais antigo do País tem o Engenho Santa Fé

No ensaio do Maracatu Cambinda visitamos o hotel-fazenda que já foi Pontão de Cultura e hospedou de Jorge Mautner a Siba Veloso

10 de janeiro de 2023

Cinthia Lopes | Portal Típico Local

Visitar a cidade pernambucana de Nazaré da Mata sem notar os seus engenhos é como ir no carnaval e não ouvir um acorde de frevo. A zona da mata norte é a região onde os canaviais estão por todos os lados, até onde a vista alcança. É de lá a manifestação cultural mais antiga da região, surgida entre os trabalhadores da cana-de-açúcar do Brasil Colônia. Na "Terra do Maracatu”, um é parte do outro. 

Neste mês de janeiro o Maracatu de baque solto Cambinda Brasileira completou 105 anos. É o mais antigo de Pernambuco e, pela primeira vez após a pandemia, o ensaio foi presencial no último sábado, 7, atraindo uma multidão. Acompanhada pela doutora em Patrimônio e produtora Danielle Brito, cuja tese de mestrado teve foco nesta expressão cultural, fomos conferir a "brincadeira" considerada quase sagrada pelos nativos e também reconhecida e registrada pelo IPHAN como Forma de Expressão Cultural Brasileira desde 2013 e como Patrimônio Vivo de Pernambuco, desde 2019. É um dos poucos maracatus a possuir sede própria na zona rural, e claro, esse lugar tem nome de engenho: Cumbé. 

 

Terra do Maracatu: O Museu do Engenho Cumbé e a escultura do Caboclo de lança do artista Cavani

Nessa coisa intrínseca, alojar-se também em um engenho é quase parte do ritual. Assim fomos eu, Danielle, o diretor de cinema Augusto Lula e a publicitária Lana Mendes rumo ao Hotel Fazenda Engenho Santa Fé, um desses lugares onde a história, a paisagem e o cheiro tem um capítulo original. Trata-se de uma antiga fazenda que possui um conjunto de prédios coloniais e uma vegetação nativa que emoldura a paisagem, além da parte aromática ressaltada pelos jasmins, que formam tapetes naturais. 

O lugar foi adquirido e reformado pelo ex-bancário e apaixonado por cultura Erivaldo Azevedo. Virou pousada em 1997 e anos depois abriu espaço para o Pontão de Cultura Santa Fé (hoje desativado). Foi um dos primeiros a chamar a atenção dos órgãos governamentais para o potencial turístico da região. 

Entrada do Hotel Engenho Santa Fé: Vegetação exuberante. Foto Danielle Brito

Nesta retomada, a pousada está recebendo hóspedes mas em breve vai realizar suas obras de recuperação para ampliar o número de leitos e também restaurar os galpões. A hospitalidade é carinhosa e informal com o tempero e coração da incansável Eliane Martins (alô Eliane, eu sou sua fã…!), que administra o local e também é uma das mandatárias do Clube Carnavalesco das Pás, tradicional do carnaval pernambucano. 

Os apartamentos são simples porém confortáveis, e possuem frigobar e ar condicionado. O café da manhã é tipicamente interiorano de Pernambuco: inhame, charque refogada, cuscuz, ovo, sarapatel, tapioca, frutas e bolacha 7 capas comprada na padaria da cidade (vale a visita!). Recomenda-se como terapia tomar esse café da manhã no terraço dos fundos da casa principal, contemplando um vale bem verdinho. A zona da Mata é como a Caatinga, floresce quando chove. E choveu na lua cheia…

Durante as prévias carnavalescas é comum o local ser fechado para grupos, principalmente quem quer apreciar as prévias carnavalescas em torno do maracatu. O músico, compositor e ator Siba Veloso, ex-líder do Mestre Ambrósio, fará sua famosa sambada em Nazaré na próxima semana. O evento atrai gente de Recife e de outras cidades. Em outros carnavais, hospedou personalidades da música como Jorge Mautner e Nelson Jacobina.

Ensaio do Maracatu Cambinda no Engenho Cumbé

Festa no terreiro!

É preciso pegar uma estrada de barro para chegar ao Engenho Cumbé, sede do maracatu Cambinda. Por ser um ensaio, não vimos a estética exuberante dos caboclos de lança com suas mantas e cabeleiras artesanalmente bordadas. Mesmo assim é uma festa bonita, potente e inesquecível. O engenho Cumbé possui também um museu com as indumentárias, estandartes e objetos centenários. 

O ensaio começou por volta das 22h. Já tinha gente por todo lado, a maioria trabalhadores rurais, da cana e moradores de Nazaré, mas também havia turistas e algumas pessoas documentando em vídeo e drone. A Poesia de improviso dá o tom da apresentação, tal como nos duelos repentistas, só o acompanhamento sonoro muda. No maracatu são os instrumentos de sopro e o apito. Os temas escolhidos para declamar são as atualidades em geral e as rixas locais, políticas e sociais: Pelé, Copa do Mundo, a morte da Rainha Elizabeth e o aniversário da Cambinda entraram na pauta. Na verve improvisada dos poetas o jovem cantor Anderson Miguel é mestre. A voz poderosa do artista de 24 anos ecoa pelo canavial até onde os ouvidos alcançam. 

Mestre Anderson Miguel e sua poesia

Mestre Anderson Miguel começou a cantar aos oito anos. Assumiu o posto de contra-mestre dos veteranos Mestre Aderito, seu pai, e Mestre Zé Flor. Apesar da pouca idade, o conhecimento sobre o seu lugar e história lhe dão bagagem para compor músicas do quilate de “Cirandeiro” e “Eficiente”. Em 2021 lançou o primeiro disco “Sonorosa”, sob a produção de Siba. A obra associa os ritmos folclóricos do maracatu e da ciranda. 

Em Nazaré a festa acaba quando o sol nasce. Há o ensaio do desfile do maracatu  com suas manobras, lanças, suas danças e músicas. Brincantes, mestres, caboclos e catita embalados por instrumentos de sopro em duelos e poemas de improviso. Calibrada pela birita, a turma solta o corpo e dança até levantar poeira. 

Goiana é patrimônio

Para entender a importância do turismo rural naquela região da zona da Mata Norte é sugestivo pegar a estrada cedinho (5h da manhã) e começar por Goiana, município que é protagonista de um dos acontecimentos históricos mais importantes do Brasil secular, a Revolução Pernambucana de 1817.  A história de Goiana está muito ligada aos engenhos da região, ao período colonial e imperial. Os goianenses participaram ativamente também da Batalha das Heroínas de Tejucopapo (1646), da Confederação do Equador (1824) e da Revolução Goianense (1825). Seu centro histórico foi declarado Patrimônio Histórico Nacional no ano de 1938. 

A cidade possui 11 igrejas, quase todas restauradas ou em obras de recuperação. O Mosteiro do Carmo é lindo, e aos sábados tem uma feira livre nas proximidades, onde pode-se encontrar iguarias como o queijo coalho artesanal. As praças estão bem cuidadas e neste verão chama atenção a programação cultural estampada nos outdoors. Recentemente inaugurou uma rodoviária muito elogiada pelos moradores. Agora é fazer como diz o forró piseiro: “Pegue o Guanabara e vem…”