A motivação eu não imaginava para além do instinto de sobrevivência

Agenda Cultural

No meu sonho o sapo e o rato jogavam futebol

Muito mais do que uma possível construção literária, vi nessa brincadeira a vitória do sonho contra a realidade

30 de junho de 2025

Ítalo de Melo Ramalho

Logo após o almoço, satisfeito com o que havia comido, fui fazer a sesta no escritório. Uma cama confortável no escurinho do ambiente e pronto: fui abatido por um sono saborosíssimo. Dormi mais do que o normal (30 minutos), estendendo para um pouco acima dos 60 minutos. E não deu outra: sonhei com uma pelada entre um sapo e um rato dentro do armário da cozinha. Eles pareciam disputar um campeonato cuja motivação eu não imaginava para além (ou aquém) do instinto de sobrevivência. Porque, leitores e leitoras, não via outra explicação razoável para aquela disputa esportiva.

Quem me conhece sabe que gosto muito de futebol, mas, antes, bem antigamente, nas longínquas terras paraibanas e potiguares, alguns e algumas poderiam gritar: Não! Ele não gostava muito de futebol. Ele era um tipo fanático! Hoje, o meu presente está mais voltado para as coisas futebolísticas do passado do que para as atualidades. 

Mas isso não significa que eu esteja completamente à parte do que acontece nesse universo. Enquanto escrevo, está rolando o pré-jogo do Flamengo versus Chelsea pela Copa do Mundo de Clubes (20.6.2025). E querem saber: estou de ouvido lá e com os olhos e coração cá; anotando as ideias dessa crônica.  

Esse mundialito é uma espécie de reunião com os melhores esquadrões de futebol classificados em seus respectivos campeonatos nacionais e internacionais (América do Sul; América do Norte, África, Ásia e Europa), e faz uma prévia promocional da próxima Copa do Mundo idealizada e organizada pela FIFA, a ser realizada em três países da América do Norte: Canadá, Estados Unidos da América e México. Será um evento inédito, já que três nações sediarão os jogos. Antes, apenas o Japão e a Coreia do Sul foram, simultaneamente, sedes de um mesmo torneio: 2002.

No meu sonho, que parece guardar mais fantasia e fascínio do que as disputas da atualidade, o encontro entre o sapo e o rato, sem a ferocidade das dinâmicas bélicas do cotidiano, acendeu-me uma fagulha da possível existência harmônica entre a cultura e a natureza. Sem a oposição de uma à outra. Não, não quero encaminhar-me pelas teorias antropológicas ou coisas que se assemelhem; como também não estou a escrever sobre uma viagem lisérgica ou coisa do tipo. Estou a falar sobre o que é viável: confluência de saberes. Talvez as leituras soltas dos livros "A terra dá, a terra quer", de Antônio Bispo dos Santos (Nego Bispo) e “Diferentes modos de existência", de Étienne Souriau, venham me influenciando. Redigo: confluindo para outras enchentes. 

Pois bem, por meio da quimérica pelada, da qual eu era o único espectador, vi que a atividade-fim daquele encontro não era simplesmente a vitória, pois que não existia o gol como meta e tampouco o extermínio entre os atores, porque ali não se tratava de um gládio. Muito mais do que uma possível construção literária, vi nessa brincadeira a vitória do sonho contra a realidade. Essa mesma realidade que por ora nos surpreende com a sua força ética e estética; também é a mesma que esmaga e transforma as possibilidades de confluência, como repetia Ariano Suassuna em suas aulas, palestras, entrevistas.  

Encerro as anotações e, antes de partir para a corrida da tarde, vejo que houve alteração no placar: o clube londrino faz 1 a 0 no Flamengo (15h51min). Visto a camisa, o calção, os tênis; aperto o relógio, a pochete e saio pensando em como organizar a crônica. Nos primeiros passos do treino regenerador, vislumbro a partida de futebol entre as personagens do sonho e me pergunto: será que estou a sonhar em demasia? Ao tempo em que respondo: Ah, não. O sonho é o que nos impulsiona a frente. E ademais, todos os sonhos valem a pena. Alguns minutos depois: Hum. Acho que não. Na atual quadra histórica, é melhor afastarmos alguns insetos dos nossos sonhos, em alusão ao antigo provérbio: seguro morreu de velho.