"Jovens poetas constroem uma linguagem fortíssima e rica em detalhes para falar de suas dores"

Reportagens

Noélia Ribeiro: "A poesia contemporânea brasileira, de todas as regiões, me encanta"

Oriunda da geração mimeógrafo, ao lado de poetas Nicolas Behr e Paulo Tovar, autora pernambucana destaca nova geração de poetas mulheres

14 de agosto de 2023

Por Cefas Carvalho 

Pernambucana de Recife, mas radicada em Brasília desde 1972, Noélia Ribeiro começou a escrever aos 9 anos de idade, no Rio de Janeiro, segundo a própria. Graduou-se em Letras pela UnB. Ainda na adolescência, participou da Geração Mimeógrafo, junto aos poetas Nicolas Behr e Paulo Tovar, ao cantor Renato Russo e à turma do grupo Liga Tripa, além da na confecção artesanal e na distribuição (de mão em mão) de suas criações. Depois de participar do livro "Salada Mista" com os poetas Sóter e Paulo Tovar, publicou livros solo, como "Expectativa" (1982), "Atarantada" (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015), Espevitada (Penalux, 2017) e "Assim não vale" (Arribaçã, 2022). Tem poemas em antologias, jornais, revistas e nas revistas digitais Mallarmagens, Germina, Acrobata e InComunidade, entre outras. Integrou a antologia digital As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira, vol. 2, organizada pelo poeta Rubens Jardim, e a exposição Poesia Agora, na Caixa Cultural (RJ). Recebeu, da Secretaria de Cultura do DF, o Prêmio Igualdade de Gêneros na Cultura. É membra da Associação Nacional de Escritores (DF) e da União Brasileira de Escritores (RJ). Produz as conhecidas lives “A Fim de Poesia” e “A Fim de + Poesia”, no Instagram. Aposentou-se como taquígrafa Revisora da Câmara dos Deputados.

Pernambucana, radicada em Brasília e que já afirmou que se considera carioca. Como esse nomadismo afetou sua maneira de ver e fazer literatura?

Essas andanças afetaram (e afetam) meu trabalho poético, na medida em que cada lugar em que morei moldou, direta ou indiretamente, minha formação, consequentemente minha escrita. Sobre Recife, predominam imagens de infância: as árvores frutíferas, a experiência de morar numa casa, o sabor do sapoti, a paçoca feita no pilão. Da cidade mesmo não me lembrava. Por essa razão, visitei minha terra por dois anos consecutivos. Foi uma experiência importante (re)conhecer meu lugar de origem. Do Rio de Janeiro, trago lembranças muito claras, pois, além de ter vivido lá dos seis aos doze anos, cultivei o hábito de voltar sempre que podia. Tenho vários poemas que se referem à cidade do Rio de Janeiro. Minhas primeiras leituras e primeiras composições foram naquela cidade. Lá eu conheci o mar. Já Brasília me acompanha desde jovem. Crescemos juntas, temos praticamente a mesma idade. Aqui me tornei poeta de fato e conquistei visibilidade. Essa cidade tão esquisita, com suas quadras, seu clima, o verde e o concreto juntos, surge em minha poesia o tempo todo, mesmo que eu não queira.  

Você publicou diversos livros de poesia. Existe algum conceito, alguma linha que os una? E qual o processo de escrita e publicação deles?

Creio que a linha de união entre meus livros perpassa temas do universo feminino. Foi assim com o Atarantada, o Escalafobética e o Espevitada. O meu livro mais recente tem grande quantidade de poemas referentes ao mar, mas, claro, associados ao feminino. Além dos temas, percebo que sigo um padrão na construção de minha poesia que a torna identificável pelos leitores, talvez pela ironia, pela simplicidade, por serem pequenos. Não raro, alguém me diz que sabe que o poema é meu, antes mesmo de ler a autoria. Quanto ao processo de escrita, não sigo uma rotina, sigo um fluxo próprio de criação. Escrevo por dias seguidos, depois passo uma semana sem escrever nada. Meu ritmo é lento. A publicação dos livros é igualmente demorada. Normalmente, guardo o que escrevo (e altero a maioria) até ter um número satisfatório de poemas publicáveis. Sinto dificuldade em considerar o poema pronto, prefiro considerá-lo publicável.

Sua live "A fim de Poesia", transmitida pelo Instagram às terças-feiras já alguns anos, é uma das iniciativas virtuais e inclusivas mais sólidas do mundo literário brasileiro. Como surgiu essa ideia e qual sua percepção sobre esse projeto? Quantos poetas já participaram?

A ideia surgiu em função do desespero de não poder sair de casa na pandemia. O amigo Aroldo Pereira, idealizador do Festival Psiu Poético, propôs que fizéssemos um encontro pelo Instagram. Na mesma época, fui convidada para mais duas lives também realizadas no Instagram. Foi aí que despertou a vontade de organizar essa troca com os poetas que conheci em minhas viagens pelo Brasil. Acabei expandindo e chamando também os que não conhecia pessoalmente. Comecei convidando apenas um, depois passei para dois, agora convido três poetas. Eu adoro esse projeto, porque ouvimos poemas autorais de diferentes estilos e temas. Falam no programa poetas conhecidos ou não, com livro publicado ou não, de minha admiração ou não.  Por isso seu caráter inclusivo, conforme você citou. E quanto mais convido, mais nomes surgem. Nesses três anos e meio em que organizo, divulgo e apresento o programa, foram quase quinhentos poetas e quase duzentas edições do A Fim de Poesia. Estão todas gravadas e publicadas (sem edição) no meu Instagram @noeliaribeiropoeta.

Como avalia a produção poética/literária em Brasília e Distrito Federal? Existem grupos literários organizados? Aqui há muitos poetas bons que prestigiam uns aos outros e formam coletivos também.

Brasília vai muito bem em relação à literatura. Embora a maioria dos escritores, residentes ou nascidos na cidade, não seja conhecida, contamos com nomes bem importantes, como, por exemplo, o poeta maior Anderson Braga Horta, que reside aqui há muitos anos. Normalmente, nos encontramos em lançamentos, saraus ou ações promovidas por coletivos literários em espaços públicos. São bares, livrarias, praças, cafés que costumam ceder espaço para nossa poesia, mas ainda não conseguimos alcançar um público grande. Estamos sempre prestigiando um ao outro, o que nos falta é mais valorização, mais divulgação do nosso trabalho. As feiras literárias convidam escritores de destaque e nos oferecem um espaço à parte. É preciso colocar o escritor local ao lado do escritor de fora. Há algumas semanas, participei de um lançamento coletivo com a Clarissa Macedo, da Bahia, e o Erre Amaral, de Tocantins, que foi surpreendentemente um sucesso. Gostaria de ver acontecer esse intercâmbio poético mais vezes.

Com base em suas leituras e no projeto A Fim de Poesia, como avalia a produção poética no Brasil atualmente

O que posso concluir desses três anos e meio de trabalho é que a produção poética no Brasil é excelente. Quantas vezes saí do meu programa absolutamente comovida. Cabe destacar a produção de mulheres jovens, com um ou dois livros publicados, que constroem uma linguagem fortíssima e rica em detalhes para falar de suas dores. A poesia contemporânea brasileira me encanta, não somente aquela produzida no Rio ou em São Paulo. Em todas as regiões do país tem poetas talentosos, trabalhando com afinco. Além disso, percebo que as oficinas literárias assumem papel fundamental na formação de muitos dos nossos poetas contemporâneos. Quanto aos livros, lamento não poder adquirir todos que me interessam, acabo tendo que escolher.

Em 2022 publicou o elogiado livro de poesias "Assim não vale". Qual sua avaliação sobre esse livro?

Esse livro tem sido considerado meu melhor trabalho poético. Eu gosto dele pela intensidade, pelo cuidado, pelas imagens. Assim como os outros livros, ele fala sobre o universo feminino, mas aborda temas que não havia citado antes, a exemplo do feminicídio. A capa ficou belíssima e a figura do mar atravessa a maioria dos poemas. No final, há uma carta escrita na pandemia para Drummond, que dialoga com o poema “O amor bate na aorta”. O livro é bem triste.

Como observa a poesia produzida por mulheres? Acredita que exista uma poética especificamente feminina?

Magnífica! A produção poética de autoria feminina conquista mais e mais espaços. Ainda precisamos mudar as coisas e nos mantermos solidárias nessa busca por mais reconhecimento. Considero a criação do Mulherio das Letras um grande passo, que alcançou inclusive escritoras de Portugal. Da mesma forma, o Jabuti de 2021, com cinco poetas finalistas, demonstrou o alto nível de nossas escritoras. Não me agrada a ideia de uma poética feminina, prefiro falar “de autoria feminina”. A meu ver, essa representatividade feminina, negra, indígena, LGBTQIA + é necessária, até o dia em que a literatura se torne realmente universal. 

Quais os seus próximos projetos literários?

Recebi três convites para livros: um, de poemas reunidos; outro, de poemas curtos, especialmente os que chamo de piripaques, e outro, de poemas inéditos. Em algum momento, pretendo encerrar o A Fim de Poesia para iniciar outro projeto nas redes. Neste mês, será lançada uma antologia com poemas meus e de outros seis autores que tiveram livros publicados na época da Geração Mimeógrafo, em Brasília.