O São João das estrelinhas, fogueira e dos versos mais lindos: “Olha pro céu, meu amor'. Foto TN

Colunas

NOITES BRANCAS

O São João ainda é a festa mais bonita do Nordeste. Mas o que eu gosto no São João, minha gente, quase já não existe mais

22 de junho de 2022

Clotilde Tavares 

Eu não gosto de forró eletrônico, de forró “universitário”, desse forró falso e mecânico, que só sobrevive às custas de bailarinas de traseiro empinado e cachês inexplicáveis. Eu não gosto de festa de São João com som amplificado, ensurdecedor. Eu não gosto de teclado no lugar da sanfona. Eu não gosto de pamonha e canjica feitas em série e vendidas nos supermercados em pratinhos de plástico. Eu não gosto daquela tapioca redonda, pequena e grossa, recheada de presunto ou chocolate. Eu não gosto das roupinhas “de matuto” para crianças vendidas nas barraquinhas que margeiam as avenidas. Eu não gosto das festas juninas que competem umas com as outras para ver quem faz a maior, obstruindo ruas, infernizando a vida dos moradores e enlouquecendo a vizinhança com o barulho. E, acima de tudo, eu abomino as tais quadrilhas estilizadas, invenção da indústria de massa, com suas coreografias acrobáticas e seus enredos mirabolantes.

Mesmo assim o São João ainda é a festa mais bonita do Nordeste. Mas o que eu gosto no São João, minha gente, quase tudo o que eu gosto não existe mais. O bom do São João era o milagre dos grãos de milho se transformando pela magia das mãos habilidosas das cozinheiras em uma pasta amarela e saborosa que, mexida por horas ao fogo se transformava na canjica; ou a solução genial de cozer outra mistura na própria palha, criando a pamonha, enquanto as crianças, sentadas no chão, faziam bonecas loirinhas ou ruivas com as espigas de milho. O bom do São João era a fogueira armada na frente da casa, os vizinhos chegando, as conversas, e o quarto de bode que, depois de dormir o dia todo no tempero, acordava em estalos sobre as brasas, prenunciando delícias de sabor. 

O bom do São João eram as estrelinhas cuidadosamente seguras nas pontas dos dedos que, depois de acesas, rebentavam em maravilhas luminosas, trazendo para o canto da sala todo o mistério do Big Bang original. O bom do São João era o forró dançado nas latadas dos sítios, com sanfona, triângulo e zabumba, sem microfone nem amplificador, a poeira subindo e o chiado das chinelas marcando o tempo preciso do andamento, sem coreografias mirabolantes, mas misturando o suor nos corpos quentes, colados e excitados. O bom do São João era Jackson do Pandeiro, Marinês, Luiz Gonzaga, Elino Julião e o Trio Nordestino. O bom do São João eram os versos mais lindos que já se escreveu sobre essa festa: “Olha pro céu, meu amor/ vê como ele está lindo…”

Tudo isso já foi embora, tragado pelo tempo. Permanece somente o ar cortante e frio da serra da Borborema e as noites brancas de Campina Grande, como que velando a casa do Alto Branco, solene e silenciosa, órfã da fogueira, dos risos e da festa.


Este texto foi publicado no meu livro Coração Parahybano (João Pessoa, Linha Dágua, 2007.) 


http://linktr.ee/ClotildeTavares         clotilde.sc.tavares@gmail.com 

 

Foto: Adriano Abreu