Mergulhar no mundo de Oz para buscar nos poros da experiência que lá construí: o mágico mundo de nós
Colunas
Sobre aqueles que sonham em preencher os vãos das ausências que lhes faltavam para se tornarem completos
24 de julho de 2024
(Para os meus amigos Esdras da Fonseca Ramos Júnior e George Eduardo Moreira de Farias)
Ítalo de Melo Ramalho
É sabido que o oculto sempre esteve presente nas sociabilidades. E que, por algum motivo, são estudados e terminam revelando (quase sempre!) elementos que comprovam a hipótese científica levantada. A cada pesquisa descortinada, mais e mais fatos evidenciam o quanto do mundo das crenças está impregnado no cotidiano das pessoas. Uma superstição aqui, outra oração acolá; um jogo de búzios ali; um mapa astrológico agora. Tudo vale a pena se a fé, a caridade e a esperança não forem pequenas.
Em parte, isso se dá pela presença nos grupos de sensitivos/as, que se locomovem entre a espiritualidade, o intuitivo e a ciência. Por que não? Por isso é fácil perceber que esses movimentos de teor abstrato e, até certo ponto, lúdicos, continuam alimentando os nossos passos no universo de duas maneiras: individual e coletiva. E essa roda viva, ao que tudo indica, parece que vai permanecer desenhando rastros na espinhela do mundo e da gente. Melhor dizendo: dos mundos e das gentes.
Como isso aqui é uma crônica, não poderia deixar de trazer elementos que dialogassem com esse espetáculo. E não encontrei conversa mais possível do que com o filme O mundo mágico de Oz, no qual três personagens específicas apresentavam essa vontade de realizar as ausências que lhes faltavam para se tornarem completos. De posse dessa matéria, intuí que fosse justo ponderar sobre a realidade e a realidade do cinema.
Bem, é verdade, eu sei que agora as coisas ficaram um pouco mais complicadas. Em especial para mim. Explico: a realidade no cinema está presente nos companheiros de viagem de Dorothy: o Leão, o Espantalho e o Homem de Lata. Todos nutriam uma fome, um desejo, um sonho que pudessem ser alcançados: o Leão gostaria de ter coragem; o Espantalho, um cérebro; e o Homem de Lata, um coração. Os sonhos, que estavam para a ficção de maneira tão explícita, para mim, pareciam uma realidade impossível de existir. Ter coração, cérebro e coragem não diferenciava a minha condição daqueles da ficção. Foi como quebrar a expectativa por um mundo em que a luta recompensasse o esforço. Fiquei mal.
Entretanto, cascavilhando o meu armário de coisinhas como se fosse a boneca Emília em suas artimanhas, retiro, remexo e releio no verso de uma fotografia a seguinte observação: Posto Jacutinga, 2014. Caí na risada. A conveniência do Posto Jacutinga para aquela turma que se reunia naquele habitat era o mundo, o espaço onde procurávamos desenhar o comum, o trivial. Nada além das coisas práticas e reais. Distante de qualquer ficção.
Porém, ali se desenhavam cenas que eu jamais poderia imaginar. Talvez, aquela reunião de inclassificáveis fizera brotar em mim uma pequena e resistente fé na humanidade. Naquele quadrado me deparei entre outros com: Jesus, o mendigo cachaceiro; Magayver, o mecânico fã do guitarrista Carlos Santana; Juan Carlos, o tapa de luvas da TV Ponta Negra; Daniel, o homem sem parte do osso craniano; Andorinha, o chaveiro; Manuel Tenório, o famoso Fofinho e também conhecido como cachorro sem rabo; até Mike Tyson apareceu por lá. A biota era elástica. Tudo que era elemento da fauna e da flora por ali se via.
Rever aquela fotografia foi como uma redenção. De fato, foi uma vitória do sonho sobre a hostilidade dos dias. Para quem tem uma relação com a vida de forma prática, encontrar tais lembranças foi como mergulhar profundamente no mundo de Oz, e viajar afetivamente pelos poros da experiência que lá construí: o mágico mundo de nós.
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