A nova versão remasterizada do Episódio III; E a minissérie que reconstroi os bastidores do filme

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O PODEROSO CHEFÃO – 50 anos 

Na comemoração dos 50 anos da trilogia, quero recomendar duas obras: O episódio III, que saiu em 1990, e a minissérie The Offer (2022)

08 de junho de 2022

Clotilde Tavares

Em Campina Grande, final dos anos 1950, eu aí com meus 10, 12 anos de idade, o cinema era praticamente a única diversão da cidade. Aos 10 anos tive permissão para ir sozinha às sessões da manhã e tarde – a “matinal” e a “matinê” – dos cinemas principais, que ficavam praticamente na continuação da Miguel Couto, a rua em que eu morava. Andava-se em linha reta no sentido contrário ao do Açude Velho e depois de uns 400 metros, lado direito, lá estava o Babilônia; mais uns 200 metros, o Capitólio, já no centro da cidade. Além de poder ir sozinha ao cinema nas sessões diurnas ia muito à noite, com Mamãe, umas duas ou três vezes por semana, dependendo da programação. E o que se via nessa época eram filmes americanos. O cinema brasileiro se resumia às comédias da Atlântida, que a gente assistia, mas que eram praticamente todas iguais: Oscarito, Grande Otelo e Ankito fazendo presepadas, e os filmes serviam apenas de plataforma de divulgação dos lançamentos musicais de Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira e outras cantoras do rádio.

Mas o cinema americano era um deslumbre, na década de 1950. Foi nessa época que passou a se usar a filmagem em widescreen, passando pelo Cinemascope, pelo VistaVision e pelo Cinerama; Hollywood e suas produtoras, assustadas com a concorrência nascente da televisão, começaram a fazer filmes de variados gêneros, para todo tipo de público, além de investir em inovações técnicas. Dois grandes épicos dessa década, Os Dez Mandamentos e Ben-Hur são, respectivamente, de 1956 e 1959.

E lá estava eu sentadinha na minha poltrona, com meu saco de pipocas ou pacote de drops, olhos abertos e às vezes a boca também, deslumbrada com o que via na tela à minha frente. Quanto Mais Quente Melhor, com Tony Curtis e Jack Lemmon vestidos de mulher; os filmes de Elvis Presley; Suplício de Uma Saudade, com Jennifer Jones e William Holden, filme do tipo “o artista morre no fim”, o que levava Mamãe chorosa e irritada com o final, a prometer que nunca mais iria outra vez ao cinema; Mogambo, com Ava Gardner e Clark Gable; os filmes de Errol Flynn, o espadachim romântico, com seu bigode atrevido; Assim Caminha a Humanidade, com Elizabeth Taylor e Rock Hudson, e apresentando também James Dean, minha paixão adolescente, com quem depois eu vi Vidas Amargas e Juventude Transviada; Imitação da Vida, com Doris Day e Sandra Dee, um filme sobre preconceito racial, que me mostrou pela primeira vez que o cinema servia para defender teses e opiniões; os filmes muitos, muitos, muitos, de Fred Astaire e Gene Kelly, Cantando na Chuva, Desfile de Páscoa, esse com a maravilhosa Judy Garland, e O Picolino, com Ginger Rogers; Farrapo Humano, outro filme de tese, sobre o alcoolismo; Marcelino Pão e Vinho, filme espanhol católico e lacrimoso, que lotava o cinema de padres e freiras; os já citados Ben-Hur e os Dez Mandamentos; os filmes de Hitchcock, Janela Indiscreta com Grace Kelly deslumbrante em figurinos espetaculares, e Um Corpo Que Cai, com o brilho de Kim Novak; os faroestes Os Brutos Também Amam, Matar ou Morrer, Onde Começa o Inferno, Rastros de Ódio, Sublime Tentação; A Ponte do Rio Kwai, com a música chiclete que toda a plateia assoviava junto; filmes de guerra com Frank Sinatra, onde do nada ele começava a cantar; filmes distribuídos pela Condor Filmes cuja vinheta de abertura levava o cinema inteiro a “tanger” o condor encarapitado em um cume até que ele começasse a voar; Um Lugar ao Sol, com Montgomery Clift no auge da beleza, antes do acidente que o desfigurou; A Malvada; os filmes de Chaplin; Gilda, e sua luva negra; Sete Noivas Para Sete Irmãos; Núpcias de Escândalo, com a deusa Katherine Hepburn; A Felicidade Não se Compra e todos os filmes de Frank Capra; e pairando sobre todos, Casablanca.

Alguns desses filmes, incluindo o próprio Casablanca, são dos anos 1940, porque as coisas eram devagar naquela época e os filmes demoravam a fazer o trajeto entre Hollywood e Campina Grande. Eu deixei minhas lembranças fluírem e não conferi todas as datas. 

Na década de 1960 me fiz adolescente. Surgiram novos gostos e preferências, no fim da década veio o cineclube, o cinema de arte, os filmes italianos e japoneses, Kurosawa, Visconti, Fellini, Buñuel. O paladar se sofisticou, mas a cartela de opções permaneceu ampliada porque nunca deixei de gostar de ver de novo e novamente e outra vez as películas fundadoras do meu imaginário. Ainda hoje sou consumidora voraz de filmes e, nos últimos anos, de séries. Vejo de tudo: drama, comédia, policial, suspense, filmes históricos, e até essas bobagens adolescentes sobre vampiros politicamente corretos que se alimentam de sangue sintético guardado no congelador. Pois é: até isso eu vejo. Como exceção, não vejo filme sobre gente com Alzheimer, nem sobre gente presa em espaços pequenos, ou sobre criança que sofre injustiça, mesmo que tenha redenção no final.

Isto posto, afirmo que sou cria do cinema americano, para que fique claro o viés que permeia aquilo que escrevo toda vez que falo de cinema. Então, vamos a um tipo de filme de que gosto muito: os filmes “de máfia”, ou sobre a Máfia. 

Para quem gosta do gênero o cardápio é farto, pois são muitas produções sobre essa temática, com diversos pontos de vista; e apesar da quantidade de películas que vêm sendo produzidas ano após ano, o assunto parece ser inesgotável. Sempre há algo diferente. Entre tantos filmes, eu tenho os meus preferidos e estou sempre assistindo novamente um ou outro. Os Intocáveis, Era uma Vez na América, Os Bons Companheiros, Senhores do Crime, Cassino, O Nome do Jogo e os divertidos A Máfia no Divã e Tiros na Broadway, só para citar alguns. Mas o primeiro lugar, incontestável no meu coração de cinéfila, vai para a trilogia O Poderoso Chefão, a criação genial de Francis Ford Coppola para a Paramount, adaptada da obra de Mario Puzo, e que está completando neste ano de 2022 seus 50 anos de lançamento.

O Poderoso Chefão (The Godfather I, 1972) é, sim, um “filme de máfia”, mas é principalmente um filme sobre o imigrante que, tendo que abandonar sua terra, chega “à América” com uma mão na frente e a outra atrás, e o coração cheio de esperança de encontrar uma vida digna, com trabalho, justiça, e prosperidade, o famoso “sonho americano”. Logo vê que as coisas são um pouco diferentes e a cena que abre o primeiro filme é emblemática: o agente funerário Bonasera queixa-se a Dom Corleone que procurou a Justiça, “como um bom americano”, mas a justiça não foi feita. E vai a partir daí sendo desvendado para o espectador esse sistema paralelo de justiça, negócios, empreendimentos e troca de favores, sempre respeitando a família e os compatriotas, violando a lei quando necessário mas posando de benfeitor quando é conveniente. 

O diretor, inspirado em Caravaggio, criou nos três filmes um contraste entre a claridade e a escuridão, que conserva o espectador nessa tensão de querer ver, de querer decifrar essa realidade que não é dada a todos. Em muitas cenas, quando algo é iluminado, rapidamente uma porta se fecha sobre o que está acontecendo, como na sequência final da parte I, depois da conversa entre Michael Corleone e sua esposa Kay.

Mas eu não estou aqui para fazer esse tipo de análise, que você encontra muito mais bem feita e profunda em inúmeros canais da Internet, dos quais eu recomendo o de Gustavo Cruz (o link está no final do texto).

O que eu quero mesmo é chamar a atenção para a comemoração dos 50 anos da trilogia, uma vez que o primeiro filme saiu em 1972, e recomendar duas obras que têm a ver com isso.

A primeira é o episódio III, que saiu em 1990, e do qual agora é apresentada nova versão remasterizada em som e imagem, produzido e dirigido por Coppola, que representa a verdadeira visão do diretor, com o título “O Poderoso Chefão, de Mario Puzo. Desfecho: a morte de Michael Corleone”. Uma edição primorosa, com algumas pequenas modificações, mas o grande charme da obra é a imagem e o som, com nitidez, matizes, timbres e tantos novos elementos que completam a narrativa. 

Eu gosto muito do primeiro filme. É uma obra redonda, bem-acabada, mostrando a evolução do personagem Michael Corleone, interpretado por Al Pacino na época praticamente um estreante; o segundo filme é irregular, e não gosto daquelas inserções de Vito Corleone jovem, com os filhos pequenos, na interpretação de Robert de Niro, então um jovem ator sem experiência, cuja atuação sempre me pareceu caricata e sem profundidade. 

Produzido e dirigido por Coppola, este lançamento representa a verdadeira visão do diretor

O terceiro filme tem um clima de melancolia, de nostalgia, de um personagem que alcançou um alto status financeiro e social mas continua atormentado pelos seus crimes. Esse filme encerra a trilogia com a busca de Michael Corleone pela redenção, aprisionado pela trama, sem poder escolher o seu caminho nem se livrar do passado, arrasado pela morte da filha Mary, numa cena emocionante, com o “grito sem som” do personagem, que traduz a sua dor indescritível de forma perfeita. Nesta nova versão, com as cores e os sons mais definidos, tudo fica muito, muito mais intenso.

Coppola teve inúmeros problemas com a Paramount ao longo da feitura desses filmes e ele realmente queria um epílogo que o satisfizesse, o que não aconteceu na época em que o filme foi lançado. Diz-se que a produtora enfrentou um enorme problema logístico, político e social com essa produção, num período em que fazer dinheiro era algo impositivo para a Paramount que, apesar do grande sucesso de Love Story (1970), com Ali MacGraw, no ano anterior, ainda enfrentava problemas de caixa. 

A partir daí é que eu quero fazer a segunda recomendação para você, pessoa que ama o cinema e ama os filmes – mas também está se rendendo a esse novo formato da ficção na tela: as séries.

A série em foco é The Offer (2022) – A Oferta – sobre o desenvolvimento e produção do filme O Poderoso Chefão Parte I. É uma minissérie com 10 episódios, estreou em abril deste ano de 2022, no canal de streaming Paramount-Plus, e ainda faltam dois episódios irem ao ar: um nesta quinta, 9 de junho, e o último na próxima, dia 16. 

O personagem central é o produtor Albert Rudd (Miles Teller), que recebe do estúdio a incumbência de transformar o livro do Mario Puzo (Patrick Gallo) em filme. Para isso, Rudd chama Francis Ford Coppola (Dan Fogler) para fazer a direção e ajudar Puzo com o roteiro. Ao mesmo tempo, lida com os executivos do estúdio, nem sempre razoáveis, escolhe as locações e os atores que vão fazer os personagens, mas o processo chama a atenção da Máfia de verdade, na pessoa do mafioso Joe Colombo, que controla os sindicatos e interfere de forma direta no desenvolvimento da produção.

A série é criação de Michael Tolkin e Laurence Bennett, e seu roteiro foi construído com base nas lembranças de Rudd; tudo aquilo aconteceu mesmo e a obra é de deixar qualquer cinéfilo babando pois mostra todo o processo de construção de um longa-metragem, com muitos atores e outros profissionais envolvidos, as brigas, as dificuldades em fechar o orçamento, as soluções criativas da equipe para todo tipo de problema, a falta de grana e, como não podia deixar de ser, as interações com a Máfia. Tudo verdade. 

Aqui a gente fica sabendo, por exemplo, que o diretor encheu a produção com seus parentes

 

A gente fica sabendo também que o diretor encheu a produção com seus parentes: seu pai Carmine Coppola foi o maestro responsável pela condução e composição de algumas das canções da trilha sonora; sua irmã Talia Shire fez Connie, a irmã de Michael, que casa no primeiro filme e já é uma matrona no terceiro e Mary, que morre baleada no final, é Sofia Coppola, filha de Francis Ford Coppola, que hoje é uma diretora e roteirista renomada mas que na época era uma atriz estreante e pouco competente. Também são uma maravilha a cenografia e o figurino, que recriam em detalhes os anos 1970. Se você tem idade suficiente para ter curtido a época, vai adorar os cabelos desgrenhados, as pantalonas boca de sino e os coletes longos e desfiados, os drinks, as músicas, e muito mais. 

A cabeça de cavalo usada no filme para aterrorizar o diretor de cinema em Hollywood também era real, uma vez que o adereço construído pela cenografia não foi aceito pelo produtor – mas os atores não sabiam disso, e o susto foi genuíno, sem representação. E a surra que Sonny Corleone (James Caan, no filme) dá em seu cunhado Carlo Rizzi (Gianni Russo, também no filme) foi de verdade, como castigo porque Russo batia um pouco realisticamente na atriz Talia Shire, irmã do diretor, quando contracenava com ela nas cenas da briga do casal. 

É um deleite ver Coppola dirigindo Al Pacino, que era um ator formado pelo método de Stanislávski, na cena do banheiro, onde ele vai pegar a arma escondida que usará para assassinar o capitão da polícia. O jeito de tratar com o ator, respeitando sua escola de interpretação, lhe dando a motivação para a cena – é realmente muito genial.

Muitos personagens interessantes, mas gostei muito de Justin Chambers (o médico Alex Karev, de Grey’s Anatomy) interpretando Marlon Brando e Juno Temple no papel da secretária e assistente de produção Bettye McCartt.

A série é uma declaração de amor ao cinema, desvendando o que há por trás das câmeras e as dificuldades espantosas que não só os atores mas também os outros profissionais de criação enfrentam para fazer um filme, tentando conciliar suas necessidades estéticas com a visão dos produtores, que veem naquilo apenas uma atividade para ganhar dinheiro. 

Estão aí recomendados filme – a Parte III – e série – sobre a Parte I. A seguir, alguns links para ampliar a sua informação sobre o assunto e a promessa que, daqui a algumas semanas, voltarei com o tema, dessa vez sobre duas séries geniais, ambas sobre a Máfia: The Sopranos (HBO, 1999-2007) e Lilyhammer (Netflix, 2012).



Leia mais em: 
Canal de Gustavo Cruz no YouTube - https://www.youtube.com/channel/UCeDiAzrRH_j21kCJhF-cNlg

Primeiros filmes sobre a máfia - https://maratonandopop.com.br/a-origem-dos-filmes-de-mafia/ 

Sobre o III - https://youtu.be/SSFFGHT5N-c

“Tanger” o condor - https://youtu.be/-IRWMNRJJwQ 

Curiosidades sobre o I - https://www.blogdehollywood.com.br/cinema/10-curiosidades-sobre-o-poderoso-chefao-que-volta-aos-cinemas/ 



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