É o tempo quem doura as nossas recordações, que nos acalma, nos reconforta. FreePik

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O TEMPO, COMPOSITOR DE DESTINOS

Se não fosse a passagem do tempo, como ficaria a Esperança? Como ficaria a Utopia, que nos arrasta e conduz a novas conquistas

01 de dezembro de 2022

Clotilde Tavares 

Conversando um dia desses numa roda de amigos, a respeito de algumas belas e famosas atrizes, muitas delas ainda atuando após os 80, 90 anos de idade, não faltou quem comparasse a imagem atual dessas mulheres com a imagem que apresentavam na juventude. Muitas dessas divas, que nunca quiseram se submeter a plásticas, mostram hoje a face sulcada de rugas, e comentou-se com veemência “o estrago que o tempo faz nas pessoas” ou “como o tempo destrói a beleza”.

Ah, meu caro leitor, eu quero discordar. As pessoas não são somente pele, músculos e articulações – estruturas mais afetadas pelo tempo do que outras. As pessoas são muito mais do que uma pele perfeita e uma musculatura sarada. Ao contrário de quem tem medo de envelhecer e vive correndo atrás dos milagres da plástica e tratamento, penso que o tempo age em nós de forma mais positiva do que negativa, melhorando, aprimorando, acrescentando sabedoria através da experiência.

Se não fosse a passagem do tempo, como ficaria a Esperança? Como ficaria a Utopia, que nos arrasta e conduz a novas conquistas, se ela não fosse localizada no Futuro, no tempo distante à nossa frente? Isso sem falar no efeito lenitivo e suavizante do tempo sobre as nossas dores, nossos males, nossas angústias. É o tempo que nos faz esquecer, perdoar, esvaziar o nosso coração das coisas que não deram certo para poder tentar de novo, sonhar de novo, amar outra vez.

À medida que nos premia com uma ruga aqui outra ali, com centímetros a mais na cintura ou com articulações mais duras, o tempo também nos dá tranquilidade para aceitar os imprevistos e sabedoria para compreender os enganos, nossos e dos nossos semelhantes, e ter paciência com eles.

É o tempo que apura a nossa percepção, afia nossa inteligência e nos dá acuidade para compreender melhor os fatos e as coisas que nos cercam. Com a passagem do tempo, ficamos mais seletivos e entendemos o que o poeta quer dizer quando diz que “só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”.

Se o tempo nos embranquece os cabelos, também acalma os ardores juvenis que nos levam a fazer tanta bobagem sem querer, a dizer coisas das quais nos arrependemos depois. É o tempo quem doura as nossas recordações, que nos acalma, nos reconforta.

Finalmente, os versos de Caetano Veloso, a quem também tomei emprestado o título da crônica, dizem mais do que eu posso dizer agora:

“E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Não serei nem terás sido.
Ainda assim acredito
Ser possível reunir-nos
Num outro nível de vínculo.”
 

 


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