Melhor lembrar de Taffarel em 1994: Com sua autoridade de águia, impediu as vitórias alheias

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Os goleiros, esses pequenos heróis

Goleiro é sempre profissão de fé e de risco. E é o único que nunca pode falhar. É o atleta em eterna evidência. 

13 de junho de 2021

Lívio Oliveira

NUM TIME DE FUTEBOL a posição que sempre me chama atenção e puxa por minha curiosidade é a de goleiro, aquele que veste uma camisa de mangas longas e que tem um número 1 (um) plantado nas costas, sendo o mais peculiar, o mais especial e, talvez, o mais estranho componente de uma equipe futebolística. Aprendi a admirar esses heróis ilhados em suas solidões épicas, cumprindo papéis às vezes amargos, às vezes fantasticamente consagradores e vitoriosos. Goleiro é sempre profissão de fé e de risco. E é o único que nunca pode falhar. É o atleta em eterna evidência. 

Todos podem se recordar (ou se informar), por exemplo, da mitologia e da realidade em torno da derrota brasileira para o Uruguai, nos idos de 1950, em pleno Maracanã. Aquela imagem de um ensimesmado e humilhado Barbosa se erguendo lentamente de sua genuflexão involuntária após o gol de Ghiggia – quando a pelota passou por um pequeno espaço entre uma mão vacilante e a trave – é hiper-melancólica, retratando, por si só, as situações dramáticas vivenciadas pelos “arqueiros” em suas epopeias quase sadomasoquistas, que lhe são impostas nas partidas e na carreira. Basta dizer que a derrocada do Brasil ocasionou uma espécie de trágica “pena” que Barbosa teve que assumir pro resto da vida e da qual nunca se considerou absolvido.

Waldir Peres, em 1982, não teve sorte diferente, começando por tomar um frango, que foi quase um prenúncio da derrota final. Foi no jogo inicial contra a extinta União Soviética – que tinha, de fato, um grande goleiro: Dasayev.  A sorte foi que houve uma inversão durante a partida, favorável ao Brasil (2x 1). Mas, ao fim e ao cabo, aquela Copa não terminou de forma feliz, nem os resultados de Peres contra a endiabrada Itália. Paolo Rossi transformou as redes em um alvo inevitável, massacrando o nosso goleiro. 

Melhor lembrar de Taffarel em 1994, cumprindo objetivos sagrados, voando pra todo lado, deslizando nos verdes tapetes americanos e impedindo, com sua autoridade de águia, as vitórias alheias, inclusive da Itália do infeliz Roberto Baggio, que deixou de converter um dos pênaltis, numa final que colocou ainda mais em evidência os goleiros da partida. 

Sempre admirei esses caras. A coragem é a primeira de suas características. Não há como ser goleiro sem ter elevado nível de atrevimento e ousadia. Primeiro, o sujeito é um ser isolado em seu próprio grupo. Segundo, é a vítima de sempre. Apesar de existirem alguns que também fazem gols e suas próprias vítimas, como o matador são-paulino Rogério Ceni ou o tresloucado e divertidíssimo colombiano Higuita (lembram da defesa do escorpião e dos gols que fazia?). Tristemente, há até uns goleiros que são matadores de verdade, não no sentido figurado do esporte bretão. Nem quero lembrar o fato e o nome de um deles, até porque sou e sempre serei um bom flamenguista, que não merecia aquilo que aconteceu. 

Ser goleiro, esse atleta que voa, dever ter muito charme. Até o rei do futebol (precisa dizer o nome?) já vestiu, de forma episódica e bem curiosa, a camisa de mangas longas e com o nº 1 desenhado. E também tivemos um Presidente da República que foi goleiro. É verdade. O potiguar Café Filho chegou a defender o Alecrim Futebol Clube nessa condição, sendo este o único time brasileiro que teve um atleta a ocupar tal cargo. 

Chego mesmo à constatação, lembrando de tudo isso – e de nomes como N´Kono, Arconada, Fillol, Harald Schumacher, Manga, Gilmar, Pfaff, Gordon Banks, Dino Zoff, Leão, Marcos, Lev Yashin (o aranha-negra), Oliver Kahn, Buffon, Rodolfo Rodriguez, Casillas, Zetti, Dida, Júlio César, etc etc – que o goleiro é um showman e, praticamente, um time à parte.