Natal aérea. Fonte: Pinterest
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Quando italianos projetaram o traçado urbano da cidade em prol da modernidade (1914 – 1930)
21 de março de 2022
Júlia Cahves | Arquiteta e urbanista
O século XX trouxe para a Natal recém republicana uma explosão de modernização, crescimento econômico e populacional. Como forma de lidar com esta nova realidade, planos urbanísticos foram projetados buscando organizar o desenvolvimento da cidade, levando como inspiração projetos europeus e americanos. Desta forma, os mais conhecidos planos aplicados em Natal possuem nomes italianos, Polidrelli e Palumbo, em homenagem a seus idealizadores estrangeiros que foram contratados pelos órgãos públicos locais para desenvolvê-los. Neste artigo debateremos a história por trás destes planos e quais as consequências destes para Natal.
O plano idealizado pelo agrimessor italiano Antônio Polidreli foi a primeira forma de ordenamento urbano de Natal
Fonte: SEMURB, s.d.
Por mais de três séculos de história após sua fundação, a capital do Rio Grande do Norte manteve seu crescimento populacional e desenvolvimento urbano praticamente estacionado. Porém, esta realidade foi modificada pouco antes da chegada do século XX quando ocorreu a proclamação da república e desta forma, Natal passou a desejar a modernidade como tentativa de ‘esquecer’ seu passado colonial. Diante disto, no início deste século foram feitas diversas obras de melhoramentos e aformoseamentos à cidade, dentre estas o Plano da Cidade Nova que criou o terceiro bairro de Natal somando-os aos já existentes Cidade Alta e Ribeira. Atualmente, este bairro compreende os bairros de Petrópolis e Tirol e este plano ficou conhecido popularmente como Plano Polidrelli, pois o Master Plan foi finalizado pelo agrimensor italiano Antonio Polidrelli em 1904. O urbanismo moderno do novo bairro de Natal trouxe grande contraste por apresentar uma grelha de vias largas, retas e orientadas de forma a receber ventilação natural, vasta arborização e quarteirões amplos em oposição as ruas tortas e estreitas dos bairros antigos. Infelizmente, esta intervenção em uma ‘área livre’ da cidade provocou a desapropriação de terras e a expulsão de uma população que ocupava a região em detrimento de uma elite que se instalou no local tendo consequências até hoje na percepção dos bairros que, quase 120 anos após, ainda são considerados áreas nobres da cidade.
Planta original do Plano Geral de Sistematização de Natal
Diante desta busca pela modernidade, surgiram neste mesmo período novos meios de conexão entre a cidade e o resto do mundo. Nas primeiras décadas do século XX, a população natalense presenciou a construção do porto, a ampliação da malha ferroviária e, além disso, viu Natal se tornar o maior ponto de conexão dos voos cada vez mais populares vindos da Europa e América do Norte com destino ao resto do Brasil e vice versa. Estas mudanças definitivamente geraram um boom na economia local e um aumento populacional nunca antes visto, além de grandes mudanças na arquitetura, na moda e na cultura. Com tanta novidade e crescimento, a cidade precisava de ainda mais modernização e, além disso, uma organização urbana visando o futuro. Portanto, foi neste cenário que o Prefeito de Natal Omar O’Grady, engenheiro formado pelo Instituto de Tecnologia de Illinois, implantou uma série de novas transformações na cidade. Em abril de 1929, a Prefeitura de Natal, com o apoio do Governo do Estado, assinou um acordo com o arquiteto italiano Giacomo Palumbo para a realização do Plano Geral de Sistematização de Natal. O plano tinha como objetivo trazer modernidade, criando uma cidade planejada e garantindo “[...] um futuro correto e racional [...]” (Ferreira; Dantas, 1998). No ano seguinte, em 1930, o plano foi totalmente concluído pelo arquiteto e trazia um traçado urbano moderno e eficaz que definia áreas com diferentes funções formando um macro-zoneamento funcional, além de aumentar a quantidade de acessos que conectavam os bairros consolidados no período colonial, Ribeira e Cidade Alta, como os novos bairros que estavam se formando e projetar a cidade prevendo seu crescimento até 100 mil habitantes, marca que só foi atingida em 1950. Na área residencial compreendia a Cidade Nova, atual Tirol e Petrópolis, onde foi incorporado e ampliado o Plano Polidrelli de 1904; a área comercial estava localizada na Ribeira, onde diversas ruas foram alargadas e retificadas para facilitar o tráfego de pedestres e carros; o Alecrim se tornou o bairro operário, local mais distante do centro recebeu uma grelha de vias também retas e largas; e por último o Bairro Jardim seria onde hoje é o bairro de Santos Reis, onde teriam grande avenidas que margeariam tanto o Rio Potengi quanto o Oceano Atlântico. Para os arquitetos Ângela Ferreira e George Dantas (1998):
“[...]O’Grady e Palumbo representaram o encontro de dois modelos, de dois ideários do urbanismo: a eficiência, competência e técnica americana na forma de administrar as cidades, e o urbanismo europeu na forma de projetar e reformar o espaço urbano.” (Ferreira; Dantas, 1998)
É interessante salientar que a população teve um papel direto, mesmo que restrito, na elaboração do plano, algo que não havia acontecido anteriormente. O Plano Palumbo teve destaque nacional no IV Congresso Pan-americano de Arquitetos de 1930, contudo, o Prefeito O’Grady foi afastado do cargo por razões políticas no mesmo ano e por causa disso o plano original não foi totalmente implementado. De qualquer forma, com as obras que puderam ser feitas, Natal teve seus bairros ainda mais conectados e suas ruas mais bonitas, arborizadas e organizadas. Infelizmente, também surgiram problemas que recaíram principalmente na população mais carente, pois estes foram marginalizados para a periferia, resultando em problemas por falta de moradia, afastamento desta população ao centro da cidade e segregação social.
Mapa atual que enfatiza as vias originais da cidade (vermelho), as projetadas pelo Plano Polidrelli (amarelo) e pelo Plano Palumbo (azul) | Fonte: SILVA, 2011
Em conclusão, os planos urbanísticos feitos sob influência europeia em Natal modificaram para sempre o traçado da cidade. Em um período de crescimento populacional nunca antes visto, os planos conseguiram cumprir os requisitos da época, trazendo modernidade e organização para o futuro. Infelizmente, ambos não levaram em conta questões sociais, sendo muitas vezes analisados como elitistas e segregadores, e os problemas gerados com isto ainda são sentidos pela sociedade atualmente. De qualquer forma, estes planos marcaram a história de Natal e modificaram seu traçado urbano para sempre. Por isso, a compreensão deste é de extrema importância para o entendimento do nosso espaço urbano.
Fontes:
EMERENCIANO, João Gothardo Dantas (org.). Natal Não-Há-Tal: aspectos da história da cidade do natal. Natal: Semurb, 2007. 157 p.
FERREIRA, Angela Lucia de Araújo; DANTAS, George Alexandre Ferreira. O PLANO PALUMBO PREPARANDO A NATAL DO FUTURO. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO “CIDADES: TEMPORALIDADES EM CONFRONTO”, 5., 1998. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 1998. p. 1-19. Disponível em: file:///C:/Users/DELL/Downloads/Plano_Palumbo_preparando_a_cidade_de_Nat.pdf. Acesso em: 12 mar. 2022.
SILVA, Andria Carla Araújo da. A construção e estruturação do território comercial no bairro alecrim - Natal - RN. 2011. 124 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/18919/1/AndriaCAS_DISSERT.pdf. Acesso em: 12 mar. 2022.
TAQUARY, Ian Bruno Mendonça; FAGUNDES, Patrícia Santos. UM HISTÓRICO DO PLANEJAMENTO URBANO EM NATAL - RN. In: CONGRESSO NORTE-NORDESTE DE PESQUISA E INOVAÇÃO, 5., 2010, Alagoas. Anais [...] . Alagoas: Instituto Federal de Alagoas, 2010. p. 1-6. Disponível em: http://congressos.ifal.edu.br/index.php/connepi/CONNEPI2010/paper/viewFile/917/642. Acesso em: 12 mar. 2022.
WANDERLEY, Minervino. VAMOS SABER O QUE É O PLANO PALUMBO DE NATAL? Pense! Numa Notícia, Rio Grande do Norte, 11 set. 2021. Disponível em: https://pensenumanoticia.com.br/vamos-saber-o-que-e-o-plano-palumbo-de-natal/. Acesso em: 12 mar. 2022.
ARAÚJO, Jeanne. Alecrim: a cidade operária. Natal das Antigas, Natal, 04 maio 2021. Disponível em: https://www.nataldasantigas.com.br/blog/o-plano-palumbo-alecrim-cidade-operaria. Acesso em: 14 mar. 2022.
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