O que diria o pensador se estivesse vivo nos dias de hoje?

Colunas

Passeio socrático

Um passeio na companhia de Sócrates, o grego, e de seu Bahia, o inventador das coisas banais que dão brilho à vida

11 de junho de 2024

Ítalo de Melo Ramalho

Ando sempre aos domingos pelas ruas da Atalaia, bairro que habito em Aracaju, a procura do nada. Parece esquisito, mas é verdade. Isso não quer dizer que eu não encontre nada. Sempre me deparo com muita coisa. Muita coisa boa mesmo! Feira popular com produtos da agricultura familiar, caldo de cana, pequenos botecos, gente à toa nas esquinas, de tudo tem um tanto. Faço uma pequena, mas verdadeira, etnografia do espaço.

Certa vez escutei Frei Betto falar que se Sócrates, o grego, estivesse vivo nos dias de hoje, ao entrar no templo do capitalismo, o shopping center, e caminhasse por aquele vasto mundo de ofertas pagas, e chegasse à praça de alimentação e se visse diante da insistência dos garçons e garçonetes com os seus cardápios em punho, se sentaria em uma daquelas mesas e afirmaria que não precisaria de nada. Que o passeio que ora fazia era para ter a certeza da banalidade daquele universo.

Pois é, não escrevo esta crônica para gritar aos quatro cantos sobre a transformação dos tempos. Mesmo porque a vida é dinâmica e com ela a construção e a reconstrução de determinados valores vão se moldando aos espaços e aos costumes das gentes. Mapear os pontos de metamorfose social é ofício para cientista social. O meu é apenas imprimir em crônica aquilo que me toca enquanto observador.

Em um desses passeios parei na borracharia do Bahia. Ele tem esse apelido por ter nascido na capital do estado vizinho. Bahia é bom de papo e desenvolve bem uma boa conversa, resenha mesmo, ao tempo em que trabalha sem deixar o cliente na mão aguardando a resolução do problema. Bahia é ativo e como ele mesmo diz: trabalho com agilidade e qualidade.     

O borracheiro, que já ultrapassou a barreira dos 70, também é pródigo em contar história. Ele tem uma desenvoltura narrativa que deixa muita gente no chinelo. Além disso, a história por ele narrada ganha aspectos teatrais, porque junto com ela vai a interpretação corporal das cenas que são construídas por ele. A última, que me deixou na dúvida, foi um gol do Nunes, ex-jogador do Flamengo do início dos anos 80. O detalhe não foi o gol, mas quem deu o passe para. E de quem foi? Ele, Bahia. Eu não aguentei, pois sabia a escalação do Flamengo de cor e o chamei de mentiroso. Ele me olhou com tristeza nos olhos e disse: vá na internet e veja se é minha mentira. Foi contra o Bangu de Castor de Andrade e o Leandro estava fora do jogo. E foi o que fiz.

No domingo seguinte, como de costume, fiz o mesmo passeio e terminei na borracharia do Bahia. Fui recebido com o mesmo sorriso de sempre acrescido de uma pergunta: procurou o vídeo na internet? Respondi: sim, claro. Não encontrei nada! Ele deu uma risada dobrada e comentou: não acredito que você perdeu tempo com as minhas prosas. Doutor, eu falo essas coisas para dar um brilho na vida. Do contrário os nossos dias seriam apenas reprodução de shopping. Demos uma boa gaitada e voltei para casa com o pensamento firme de que se Sócrates, o grego, fosse vivo adoraria caminhar pelas ruas da Atalaia comigo.