Se Umberto Eco estiver certo, não há mais nada em matéria de literatura que seja totalmente original

Reportagens

Patativa Moog: "A literatura produzida na Paraíba é independente, feita de paixão e teimosia"

Autor de romances elogiados, como "No Fim das Contas Ninguém Sai Vivo", Patativa também comanda o espaço "Café das Letras", em JP

01 de março de 2023

Cefas Carvalho

Pernambucano de Zé Gomes, distrito de Exú, no sertão, Antonio Patativa de Sales, ou melhor, Patativa Moog, 50 anos, mora em João Pessoa, capital da Paraíba, desde 1994. Professor de filosofia, é mestre em filosofia na UFPB e faz doutorado em teologia na EST/IEPG (São Leopoldo, RS) e também doutorado em Filosofia no programa integrado das UFPB/UFPE/UFRN, na área de metafísica. além de líder da banda de rock alternativo Madalena Moog. É autor do romance "No Fim das Contas Ninguém Sai Vivo" pela editora potiguar Jovens Escribas, que recebeu elogios do escritor Fernando Moraes, que descreveu a obra como “um romance beat-filosófico extraordinário, uma celebração caótica dos anos 90". Patativa também foi líder da banda de rock alternativo Madalena Moog, que fez sucesso no cenário cultural paraibano e é gestor do Café das Letras, no Centro histórico de João Pessoa, um misto de café, bar, sebo e espaço multicultural. Nesta entrevista ele falou sobre udo isso e ainda sobre projetos. Confira:

Você é pernambucano mas mora e milita culturalmente em João Pessoa. Como foi esse processo de mudança e como observa o cenário literário paraibano?

Nasci em Zé Gomes, distrito de Exú, sertão de Pernambuco. De Exú fui morar em Crato, com umas tias. Cheguei em João Pessoa em 1994, vindo de Crato (CE), onde fiz todo o Segundo Grau (atual Ensino Médio) e servi o Exército. Vim para João Pessoa para estudar teologia e, desde então, foram muitas idas e vindas. Morei em São Paulo, Porto Alegre, São Leopoldo (RS) e um tanto de outros lugares lindos que moraria, mas optei pela Paraíba, por João Pessoa. Aqui, durante o tempo que morei antes de ir fazer doutorado em filosofia na PUCRS, fiz amigos, criei uma banda (e um selo editorial) e lancei três livros. Acho que é daí, dessa trajetória meio incerta, que vem qualquer vontade de continuar fazendo as coisas que amo, que sempre amei e me mantém vivo: escrever, produzir eventos, lançar músicas e livros. Sobre o cenário literário paraibano, creio que o amigo poeta e escritor paraibano Hildeberto Barbosa, ainda que com certa jocosidade, está certíssimo ao afirma que “aqui ninguém lê ninguém (daqui)”, que “somos todos [nós e os escritores paraibanos] inéditos”. Apesar do chiste, a impressão que tenho não deve ser muito diferente da maioria dos que metem a escrever na Paraíba, com minúsculas e insistentes exceções. Não temos grandes editoras, grandes selos, distribuidoras; nem nada que impulsione seriamente uma cadeia produtiva na linha editorial. O mesmo acontece com quem produz música – sei isso na pele –; e a sensação é de que toda literatura produzida aqui é independente, de resistência, por loucura, paixão e teimosia. Diria mesmo que não há um “cenário literário paraibano” propriamente dito, estabelecido. O que há são surtos, espasmos. Afirmo isso sem emoção nenhuma, boa ou ruim. Apesar dos incentivos governamentais (alguns cheios de burocracias, maracutaias e/ou mirando certos “alecrins dourados”), digo e redigo: não há um “cenário literário paraibano”. De um modo bastante geral, diria que há sonhadores, loucos, teimosos e/ou esnobes. Alguns chatos de doer. Puro desperdício de papel. Mas há sempre algo que às vezes foge ao lugar comum, à aridez da palavra escrita, morta e de matar.

Seu romance "No Fim das Contas Ninguém Sai Vivo" foi bastante elogiado e definido como um "beat-filosófico ambientado em João Pessoa, na década de 1990". Fale sobre o processo de escrita e publicação desse livro.

“No fim das contas ninguém sai vivo” foi lançado por uma pequena editora de Natal, a Jovens Escribas, em 2015, e a redação do respetivo foi um processo bastante longo, mais ou menos de 2010 em diante. Somente com o prazo estourando para enviar a versão definitiva é que chegou aquele momento que a gente precisa dizer “tá bom”, “não está pronto mas está pronto”, porque os textos são diversos em assunto e estilo, e era preciso chegar a uma uniformidade limite que desse coesão, sendo que a proposta era justamente não ter tanta uniformidade; o capítulo 10, final, é como se fosse escrito por heterônomo, e depois de tudo há um suposto ensaio filosófico, com base em ’O mito de Sísifo, de Camus – na intenção de “ligar” os textos díspares e, às vezes, contraditórios. Há erros propositais e coisas do tipo. Enfim, fiquei bastante surpreso com a boa recepção do livro. A crítica foi muito positiva. O livro é uma série de desgraças, algumas delas risíveis; naquilo de olhar para o abismo é dizer, escarnecendo: “você não existe”. É um romance filosófico (ou uma intenção), como Camus, novamente, recomenda na epígrafe que utilizo: "Só se pensa por imagens. Se você quer ser filósofo, escreva romances.” Enfim, é o primeiro de uma trilogia (Trilogia do Caos), e espero viver para lançar os demais.

Você é mestre e doutor em filosofia e teologia. Como isso impacta sua literatura e sua maneira de ver o mundo e a arte?

Fiz mestrado em filosofia na UFPB; doutorado em teologia na EST/IEPG (São Leopoldo, RS) e doutorado em filosofia no programa integrado das UFPB/UFPE/UFRN, na área de metafísica; esse último concluindo o doutorado que havia iniciado na PUCRS, e trancado após três longos semestres. Utilizo a filosofia de todas as formas que posso, mas não sem um enorme esforço para não ser chato, piegas ou lugar comum, mais do mesmo. Não sei se consigo sempre, mas tento. Se Umberto Eco estiver certo (e me parece que esteja), não há mais nada em matéria de literatura que seja totalmente original; tudo já foi dito. Mas a gente pode tentar, não é? O fracasso às vezes é maravilhoso! Sempre penso na literatura como uma “tábua de salvação”, especialmente para mim. Se outro também se salva, ainda melhor.

Você liderou a banda de rock alternativo Madalena Moog. Como a música entrou na sua vida e como ela se interliga com a literatura?

É uma história longa, mas vou resumir ao essencial. Quando morei em Crato, estudei violão clássico no Teatro Rachel de Queiroz. Não demorou muito e formei uma banda com alguns amigos da rua, Os Gaviões da SF (abreviatura de São Francisco, nome da rua onde morávamos). A gente praticamente não tinha instrumentos, e nos arranjamos como podíamos. Uma tristeza! A gente tocava basicamente cover de bandas dos anos 80: Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Titãs, Ira!, e por aí vai. Algum tempo depois eu já estava tocando na igreja, onde desenvolvi razoavelmente “a arte” de “tocar de ouvido”, improvisar, etc. Daí, na igreja, formamos uma outra banda com outros amigos: Metrô 40. O nome não tem sentido, e a banda fazia menos ainda. Seguimos nessa história, fazendo pequenas apresentações quase que improvisadas e tocando em quermesses de igreja e eventos menores. Quando vim morar em João Pessoa em 1994 senti saudades dessas coisas, e acabei formando junto com Eduardo Paz aquela que seria a primeira fase da Madalena (na época sem o Moog, que somente foi acrescido em 2006, quando fui morar em Porto Alegre). Nesse período , em 2006, a banda já tinha um CD cheio (lançado em 2002), “As flores mortas e outros prenúncios”, e um EP: “Músicas-tema para aviões em queda livre”, que tem nossa música melhor recebida até hoje e que tocou muito em rádios locais: “Stronic Up!”. Voltando à pergunta, saiu uma resenha de Rosualdo Rodrigues (autor do livro O fole roncou: uma história do forró [Zahar]) em um zine que tinha este título: “O rock vai à biblioteca”, uma referência às tantas referências de autores que empurramos nas letras, etc.

Fale sobre o Café das Letras, espaço cultural misto de sebo e bar que funciona como um ponto de encontro de artistas e já ganhou renome nacional

Eu produzia uma feira de venda e troca de quadrinhos que ocorria bimestralmente no pátio da loja Música Urbana. Além de HQs, também vendíamos bonecos, livros, DVDs e coisas ligadas a esse tipo de cultura meio nerd, meio geek e periféricas. Eu tinha muito material e a feira como era realizada pareceu não ser suficiente. Era, então, professor substituto na UFCG, e meu contrato estava acabando. Pensei que, até um novo contrato ou novo concurso, poderia abrir um espaço permanente para a venda dessas coisas. Gostei da ideia e toquei a comprar material. Chegou uma hora em que minha casa quase não comportava tudo, eu e as coisas. Enfim, no dia 13 de agosto de 2021 inauguramos a loja, depois de muito trabalho montando estantes e adquirindo o básico para que ela funcionasse. Hoje tudo já está mais organizado, e oferecemos mais produtos do que havíamos pensado no começo. Temos um público bastante fiel e cada vez mais pessoas chegam; e tem sido geral o comentário de que a loja, por sua proposta, é um espaço único na cidade. A gente fez e faz um esforço danado para que seja mesmo. E parece que tem dado certo. Estamos bastante empolgados e felizes com ela. Nela ocorrem lançamentos de livros, saraus, pequenos eventos ligados à algumas lutas nossas, permanentes, etc. Temos a ideia e o projeto de uma expansão, para podermos oferecer mais e melhores serviços ao nosso público.

Qual a importância das redes sociais para a literatura atualmente, na sua opinião?

É uma coisa maravilhosa, até certo ponto – como quase tudo. Há muita gente que, se não fosse o fácil acesso às mídias e os meios de divulgação, não teria oportunidade de mostrar as coisas que produz, seja um livro, um poema, uma música, etc. Por outro lado, há uma enxurrada de “coisas” e a gente fica sem ter como ver tudo, e há muita porcaria também sendo lançada com muito alarde e pouco conteúdo, e que a gente sabe que não vive muito porque não tem alma, não tem essência, nem substância. Não há dúvida de que a democratização que as mídias proporcionam têm diversificado, também, as formas de produção e consumo. Há formatos variados para acesso a certas obras que, sem essa facilidade que a internet nos dá, sequer conheceríamos. É um assunto enorme e nem de longe penso que saberia dizer muito mais que isso, e menos ainda orientar alguém a “fazer assim”, “ser assado”. A “ética na internet”... eu não saberia falar direito sobre isso. Então é isso: a facilidade leva ao excesso, mas o excesso nem sempre presta, vale a pena. Mas aí já é outra história: de cada um saber o que buscar/querer nesse universo absolutamente enorme e poluído de propagandas sobre tudo e sobre todas as coisas.

Quais os seus próximos projetos culturais? E qual sua expectativa literária e cultural para este ano de 2023?

Não gosto muito de “revelar meus planos”. Mas, no momento estou trabalhando pela ampliação e melhor organização da loja (como disse) e revisando quatro livros que, ao menos um, espero lançar até o meio do ano ou pouco depois. Os demais, espero viver o suficiente para trazê-los à luz. Vamos ver. Espero retornar com a banda e lançar um compacto simples, com duas músicas inéditas que estávamos ensaiando e não tivemos como gravar por causa da pandemia.