Estação Papary - Fonte: Francisco Guia CM, 2019

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Patrimônio Arquitetônico e o Progresso

As edificações históricas por muitas vezes são tidas como empecilhos para o progresso e desenvolvimento de uma cidade, gerando frases caluniosas

12 de novembro de 2021

Por Julia Chaves | Arquiteta e Urbanista 

A importância da conservação do patrimônio arquitetônico no desenvolvimento e progresso  de uma cidade As edificações históricas por muitas vezes são tidas como empecilhos para o progresso e desenvolvimento de uma cidade, gerando diversas frases caluniosas ditas publicamente como ‘justificativa’ para a demolição dos nossos bens, como a seguinte dita no ano passado por um político potiguar acerca do Hotel Reis Magos: “[...] essas ruínas, não se coadunam com a cidade, apenas atrasam e enfeiam a orla marítima, e por isso, deve ir ao chão, deve ser demolido para permitir o progresso, o desenvolvimento”. Esta visão engessada e estática das edificações é muito comum no nosso estado e desvaloriza a nossa história, nosso turismo, nossos profissionais da área e nossa arquitetura. As Fake News também circulam no meio da arquitetura patrimonial e precisam ser urgentemente contestadas para que possamos construir um futuro melhor.

É indiscutível que a arquitetura é uma arte utilitária e com isso a manutenção do uso em uma edificação é um aspecto essencial para sua preservação e conservação. Porém, sabemos que as necessidades da sociedade mudam ao longo do tempo e muitos usos nos quais as edificações históricas foram construídas para abrigar, perdem o sentido no presente. Esta é uma das principais justificativas que indivíduos encontram para o abandono, demolição e descaracterização de muitas edificações de valor histórico, as tachando erroneamente como um empecilho para o progresso. O que muitos esquecem é que existem diversas soluções, como resultado de muitos anos de estudos, tecnologia e desenvolvimento de projetos elaborados por profissionais capacitados e especializados na área, onde é possível fazer a adaptação da edificação original para abrigar a uma nova função sem perder suas características históricas e arquitetônicas originais. 

Centro de Turismo de Natal - Fonte: Go Hub, s.d.

É preciso entender de uma vez por todas que a preservação do patrimônio histórico não é mais algo engessado e estático, muito pelo contrário, projetos que aliam a restauração e reabilitação são possíveis, viáveis, sustentáveis e muitas das vezes mais rentáveis que a opção de demolir e construir uma edificação genérica ‘do zero’. Edificações históricas com função adaptada às funções e necessidades do presente geram maior interesse por meio da população local e do turismo. 

Aqui no Rio Grande do Norte nós temos exemplos de sucesso como a Estação Papary, antiga estação onde funciona atualmente um restaurante típico potiguar famoso entre os turistas; O centro de turismo, antiga prisão onde hoje funciona um centro de artesanato e restaurante também muito conhecido por turistas; O Casarão 479º da Deodoro, antigamente residência de importantes personalidades potiguares e hoje a inconfundível sede da 2A Engenharia; e o Corredor Cultural de Mossoró, que transformou grande parte do centro histórico da cidade, anteriormente esquecido e vazio, no centro cultural da população, com museus, shows, galerias, exposições e apresentações.; dentre várias outras edificações que continuam em uso e transmitindo através de seus traços a história potiguar.

Casarão 2A Engenharia - Fonte: Arquivo próprio, 2020

Outra justificativa utilizada para a desvalorização do patrimônio histórico é o prejuízo à economia. Muitos levam em conta os custos imediatos da restauração, que a primeiro momento podem parecer mais altos por ser um serviço bastante especializado, mas esquecem de analisar de forma abrangente, pois a restauração e reintegração do patrimônio arquitetônico também tem se provado um grande aliado no desenvolvimento econômico de cidades brasileiras. Atualmente, as áreas históricas estão ganhando cada vez mais espaço na divulgação das imagens de uma cidade para o turismo e investimentos, onde:

“[...] Uma identidade cultural marcante torna-se essencial para

que as cidades possam ser vistas como local atraente para se

conhecer e viver, tornando-as competitivas [...] Assim,

encontramos nas áreas históricas um material de riquíssimo

apelo para a exploração da imagem e incremento da atividade

turística [...]” (VIEIRA, 2007, p. 3)

 

Como uma prova desta importância, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), há mais de 20 anos, elegeu o patrimônio histórico brasileiro como foco prioritário do seu apoio no campo cultural por acreditar que: “[...]a restituição da função social do patrimônio e sua reintegração à vida cotidiana das cidades, em todos os seus aspectos, têm o potencial de induzir a um processo de revitalização de caráter permanente, promovendo o  desenvolvimento local, o aumento do turismo cultural e a dinamização das cadeias produtivas locais e atividades econômicas correlatas, geradoras de emprego e renda.” (Gorgulho, 2017) . Além disso, o BNDES afirma que “[...] o patrimônio pode vir a ser a mola propulsora do desenvolvimento socioeconômico local, com sítios históricos recuperados que se tornem, cada vez mais, ativos culturais, educacionais e econômicos relevantes para suas cidades e regiões” (Gorgulho, 2017). 

Estação das Artes Elizeu Ventania no Corredor Cultural de Mossoró - Fonte: Wikipedia, 2016

Isto é, a salvaguarda de uma edificação não se limita a um valor simbólico, de identidade e educativo, mas sim um grandioso valor econômico. De acordo com a FIRJAN (2016) no Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, a Economia da Cultura, terminologia usada para descrever a contribuição econômica dos setores ligados à cultura, representou naquele ano 2,6% do PIB brasileiro e cerca de 800 mil empregos formais. A restauração e reintegração de uma edificação histórica gera sim renda, emprego, desenvolvimento de profissionais, da cidade, do comércio e do turismo, sendo necessário urgentemente ressignificar a visão que temos da cultura como algo contrário ao progresso.

Em suma, a arquitetura patrimonial é extremamente importante para o progresso, economia e desenvolvimento de uma região, atributos que vão muito além de seu valor identitário, histórico e cultural. Valorizar o patrimônio e preservar nossas construções pode ser rentável sim e existem diversos profissionais capacitados que podem aliar a necessidade do presente com as belíssimas obras do passado. Precisamos mudar a visão estática sobre estas edificações e aprender a valorizar o importante acervo arquitetônico potiguar para que possamos construir um futuro melhor através do entendimento do passado.

Para conhecer e entender melhor o patrimônio arquitetônico potiguar te convidamos a acompanhar esta coluna, pois por aqui falaremos muito mais sobre as belezas edificadas do

nosso estado. Além disso, te convidamos também para acessar o Blog Júlia Chaves Arquitetura  

[www.juliachavesarq.com] e seguir nosso Instagram @juliachavesarq, onde semanalmente a arquitetura e a história de uma edificação histórica potiguar é colocada em pauta.


FONTES:

• JÚLIA CHAVES ARQUITETURA. Natal: Edição do Autor, 2021. Semanal. Disponível em: https://www.juliachavesarq.com/. Acesso em: 04 nov. 2021.

• CARVALHO, Júlia Chaves Nunes de. ANTEPROJETO DE REUSO: Centro Cultural Francisco Alves Bay. 2018. 103 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura e

Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/36793 . Acesso em 04 nov. 2021

• FIRJAN. Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil. Brasil: Senai, 2016. 45 p. Disponível em: https://www.firjan.com.br/pagina-inicial.htm. Acesso em: 03 nov. 2021.

• GORGULHO, Luciane. Financiamento às instituições culturais sob a ótica da sustentabilidade de longo prazo: o BNDES na preservação do patrimônio cultural brasileiro. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, [2017], v. 36, p. 179-193, 2017. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/revpat_36.pdf. Acesso em: 04 nov. 2021.

• VIEIRA, Natália Miranda. AUTENTICIDADE x EXPLORAÇÃO: IMAGÉTICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL. Ilha - Revista de Antropologia, Goiânia, v. 8, n. 1, p.275-294, jun. 2007