Fagner teve problemas com a canção "Canteiros", adaptação do poema “Marcha”, de Cecília Meirelles

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Plágios famosos da MPB

Artistas da MPB tiveram canções reconhecidas não apenas pela qualidade da obra, mas também pelo imbróglio jurídico que elas proporcionaram

05 de maio de 2022

Por Costa Junior*

Algumas músicas da MPB que fizeram muito sucesso foram consideradas plágios, ou seja, obras pertencentes a outra pessoa, regravadas sem a permissão do autor. Esses casos aconteciam com mais frequência antes do surgimento da Internet, quando não havia a globalização de hoje. Uma espécie tradicional de plágio ocorria quando produtores e cantores antenados com o mercado musical internacional se apropriaram da melodia de uma canção e colocavam uma outra letra. Porém, vale lembrar que quando eram dados os devidos créditos do autor, ao invés de plágio, era considerada “versão”. Essa prática foi muito utilizada nos anos 1970.

Artistas famosos da MPB tiveram canções reconhecidas pelo público não apenas pela qualidade da composição, mas também pelo imbróglio jurídico que elas proporcionaram. Em seu primeiro disco, de 1973, intitulado Manera Fru Fru, o cantor cearense Raimundo Fagner gravou a música “Penas do Tiê”, acompanhado por Nara Leão. Nos créditos, ele colocou que a música era de domínio público, o que lhe causou uma série de problemas, inclusive ter que enfrentar um longo processo por plágio.

Depois de anos de disputa, a Justiça confirmou que “Penas do Tiê” originalmente se chamava “Você”, e tinha sido composta pelo maestro alagoano Heckel Tavares. Ela, inclusive, havia sido editada em 1928. Heckel nasceu em 1886 e faleceu em 1969, sem saber que anos depois sua obra seria copiada.  No ano de 2000, os filhos do maestro moveram uma ação na 12ª Vara Cível do Rio de Janeiro contra o cantor cearense, acusando-o de ter plagiado a canção do seu pai. Fagner também teve problemas jurídicos com a canção "Canteiros", uma adaptação do poema “Marcha”, de Cecília Meireles. Em 1983, as filhas da poetisa venceram uma ação judicial e o cantor foi obrigado a pagar uma indenização por violação de direitos autorais.

Vem também do Nordeste, mais precisamente da Paraíba, o nosso próximo exemplo. Em 1982, Zé Ramalho lançou o LP Força Verde, considerado pela crítica um dos melhores de sua carreira. O disco não se tornou conhecido apenas pela qualidade, mas também por ter sido um dos mais flagrantes casos de plágio registrados na MPB. A letra da faixa-título é uma cópia da tradução brasileira de um poema do dramaturgo e poeta irlandês W. B. Yeats. Essa versão do poema tinha sido publicada como legenda para os quadrinhos de uma história no número 1 da revista original do Incrível Hulk, republicada no Brasil em 1972. Roy Thomas, escritor americano de histórias em quadrinhos, usou o poema como narração nas primeiras páginas da revista, citando o autor. Só que Zé Ramalho se apoderou da tradução e registrou a letra nos créditos do LP como sendo de sua autoria.

Já o cantor e compositor Raul Seixas “roubou” diversas harmonias e linhas melódicas de grandes clássicos do rock. Ele as incorporou em suas canções sem dar créditos aos autores e nem registrar as versões. Vale ressaltar que isso não diminui em nada a sua genialidade como artista. Uma das que Raul admitiu ter plagiado foi a canção “Rock das Aranhas”, do disco Abre-te Sésamo (1980). A versão original se chama "Killer Diller", lançada em 1958 pelo cantor de R&B Jimmy Breedlove. Ficou comprovado que tanto a melodia quanto a harmonia são idênticas. Apenas a letra e o tema da canção são diferentes.

Outro plágio do roqueiro baiano trata-se da música “Há Dez Mil Anos Atrás”, título do disco lançado em 1976. No LP, ela é creditada a Raul Seixas e Paulo Coelho, mas trata-se de uma canção do folclore americano chamada "I was born about ten thousands years ago", interpretada por Elvis Presley. Paulo Coelho afirmou na época, em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, que a música foi uma maneira que Raul encontrou de homenagear o seu maior ídolo. 

Mas existem casos em que os estrangeiros também plagiaram os brasileiros. Em 1978, o cantor escocês Rod Stewart usou a melodia do refrão da música "Taj Mahal", do álbum "Ben", de 1972, e utilizou na canção "Do Ya Think I'm Sexy?", que se tornou um mega hit do disco Blondes Have More Fun, lançado em 1978. A canção chegou a entrar na lista das 500 maiores de todos os tempos da revista Rolling Stone. Embora defina a situação como um “plágio involuntário”, o próprio Rod Stewart confessa em sua autobiografia, lançada em 2012, que chegou a ouvir muito “Taj Mahal”. Ele veio ao Brasil no Carnaval de 1978 e escutou a música, ficando com ela na cabeça. Quando foi fazer “Da Ya Think I’m Sexy?”, diz ele que não reparou que tinha o mesmo refrão da música de Jorge Ben. Será que sou só eu que não acredita nessa desculpa esfarrapada?

 Outra música plagiada de um brasileiro foi “Mulheres” do compositor Toninho Geraes. Ele, inclusive, está movendo um processo contra a cantora britânica Adele Laurie pelo plágio do seu maior hit. Aqui no Brasil, a canção foi imortalizada na interpretação de Martinho da Vila. Segundo o compositor, Adele “pegou” grande parte da sua melodia e transformou em “Million Years Ago”, dando crédito a ela própria e ao compositor e produtor musical norte-americano Gregory Allen Kurstin. Toninho Geraes, que nasceu em Belo Horizonte e tem músicas gravadas por Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Almir Guineto, Noca da Portela e o próprio Martinho da Vila, disse: “Eu não quero brigar, só quero que reconheçam que a minha música está dentro da obra dela".

Um dos plágios brasileiros mais conhecidosé de “O Careta”, interpretado por Roberto Carlos, em seu disco de 1987. O LP no qual a música foi lançada, que levou o mesmo nome do “Rei”, vendeu mais de 2 milhões de cópias. A canção é creditada como uma parceria entre Roberto e Erasmo Carlos. Três anos depois do lançamento, o cantor e compositor Sebastião Ferreira Braga ingressou com uma ação na Justiça alegando plágio de sua música “Loucuras de Amor”, de 1983. Roberto recorreu, mas perdeu em todas as instâncias, sendo que a última foi em 2003. Segundo a Justiça, a perícia identificou sequências idênticas de notas musicais e a mesma harmonia. 

Sebastião Ferreira Braga faleceu de uma parada respiratória em Niterói (RJ), aos 49 anos, quatro meses depois de ter feito um acordo para receber R $200 mil, e não os R $4 milhões que imaginou que receberia depois de uma batalha judicial que durou 15 anos. Essa não foi a primeira vez que o nome do “Rei” se viu envolvido em acusações de plágio. Em 1984, o compositor norte-americano John Hartford o acusou e processou por plagiar a canção “Gentle On My Mind”, sob o nome de “O Caminhoneiro”. Depois do caso se tornar conhecido, Roberto admitiu que se tratava de uma versão em português feita para o especial de fim de ano da Rede Globo, e passou a creditar o nome do autor.


*Formado na UFRN, Costa Júnior é pesquisador cultural e atuou como repórter na imprensa potiguar e na acriana, além de ter sido editor por várias décadas do jornal Zona Sul, que circulava em Ponta Negra | Contato: juniorcosta43@gmail.com