Gabrielle Dal Molin, Victor H Azevedo, Regina Azevedo, Pedro Lucas e Maíra Dal'Maz

Reportagens

Novos poetas potiguares trazem ares seguros à milenar arte da poesia

Em meio a um cenário de muitos lançamentos recentes, 05 novos nomes para ler e se inspirar

15 de julho de 2021

por Alexandre Alves

Difícil missão essa de não repetir versos e temas de uma arte que já ultrapassa os 4.000 anos, mas no meio de dezenas de livros que vem saindo entre fins de 2020 e ao longo de 2021, novos nomes potiguares (ou aqui radicados) lançam obras que guardam uma personalidade lírica. Longe de vários nomes locais perdidos naquilo que o crítico e poeta mexicano Octavio Paz (Prêmio Nobel) relatou ser a tal “poesia de solidão” (repetindo cenas, vocabulário e temário dignos do século XIX, porém escondidos em verso livre), aqui seguem cinco novas obras da poesia jovem potiguar que teima em escrever a arte que não combina com o imediatismo do capital e que não deixa o ser humano parar de pensar que a vida pode ser bem mais que a sobrevivência em meio a esta triste pandemia. 

1. GABRIELLE DAL MOLIN, “Carnaval no abismo” (2021, Munganga Edições/Lei Aldir Blanc, 80 p.)
Com o título mais inventivo entre os livros aqui citados – a junção de carnaval e abismo seria digna de Theodor Adorno se debruçar como dialética negativa se ele estivesse vivo –, a lírica da paulista radicada em Natal há quase uma década prefere o poema curto, com apenas dois deles ultrapassando a página única. Aqui remontando o itinerário iniciado em sua estreia com “Seiva” (2017), Gabrielle segue do dístico e do haicai abrasileirado (no pictórico “Horizonte”, o eu lírico relata uma natureza sexual em expor “as folhas dos coqueiros / fiéis esposas do sol / o esperam atados ao tronco”) e pontua textos mais líricos, combinando o prosaico e uma estupefação diante dos tempos atuais. 


Com 29 poemas divididos em cinco temas, a poesia ganha força ao expor a crueza do dia a dia, como no clima narrativo do sintomático “BR” (os vendedores de água e qualquer comida que se mastiga / pra não morrer de fome / antes de chegar em casa / apostam corrida na br) e no nauseante “Ruas da memória”, no qual “todos os dias / os homens criam apocalipses / enquanto procuro os parques de minha infância”. A vertente mais lírica fica expressa nos detalhes de “Mastigando os dias” (quero retornar aos lugares onde não pude ser feliz / para mastigar a geometria dos erros) e de “A sede do peixe”: “não tenho medo de mergulhar / no fundo da tua garganta / e pintar minhas entranhas com a angústia do destino”. Em suma: poesia pronta para o leitor do século XXI. Não informado na orelha, a autora é vocalista/letrista de uma das bandas promissoras do rock potiguar, o quarteto Valvulosa.

 

2. PEDRO LUCAS BEZERRA, “Trem fantasma” (2021, Quelônio/Lei Aldir Blanc, 128 p.)
Transitando entre o verso fotográfico sobre a cidade – o poema “O viaduto do Baldo” consegue congelar o tempo na capital potiguar – e pinceladas de cenas fragmentárias, o autor aposta numa diatribe de 84 poemas (!!!), talvez número exacerbado para a estreia na poesia e para leitores pouco afeitos a ela.

De todo modo, personagens humanos, natureza e cidade se alternam – e se misturam – nos textos poéticos, como em “A eletricidade...” (a eletricidade pode abreviar / a vida de um inseto / que serve ao chamado da luz / [...] / ligar um cigarro na cidade ilhada / essas pequenas inspeções ao fogo) e no abismal “Para que não ache que sou”: “e aí descubra um cacto azul / um convite para abandonar / suas antigas velas, seus mais / íntimos gritos / [...] / as paralelas ruas vazias / nós podemos andar / de mãos dadas / abertas nos vazios / ainda formando rotas / pegadas”. 
Montado em três partes (“Tábuas de maré”, “Tábuas de horário”, “Os aterrados”), a urbe ganha força no ritmo sincopado das duas primeiras seções e um lirismo torto influenciado por autores da beat generation junta realidades estranhas em várias passagens (alô, João Cabral, alguém leu a sério o seu “Da função moderna na poesia”!).

Apesar dos desvios vindos do lado menos calibrado da Poesia Marginal – o que dizer de versos como “pensar em você / abrindo um kinder ovo / a surpresa infelizmente / era repetida” no narrativo “Pensei em você em parte alguma”? –, o livro apresenta consistência e muitos instantes inventivos, o suficiente para esquecer os deslizes (mas sem apagá-los da memória). Não informado na orelha, o poeta também é baterista do grupo Ciro e a Cidade, além de já pós-graduado em Literatura.

3. VICTOR H. AZEVEDO, “Correspondência invertebrada” (2021, Sol Negro/Lei Aldir Blanc, 144 p.)
Ainda adolescente, o hoje jovem já lançava seus escritos (anti?) poéticos na ultraindependente Munganga Edições. Victor flutua entre o poema em prosa, o texto propriamente lírico e um certeiro surrealismo intermitente (este deixando o poema mais misterioso e a graça está justamente aí). Indo também do micro poema ao haicai abrasileirado até a composição mais narrativa (herdeira dos modernos de um século atrás, como em “Neon”) ou até mesmo ao soneto – não espere rimas –, o natalense faz jus ao título: uma poesia invertebrada com vários motes distintos e feita de diversas obras nunca lançadas (!!).


Numa hora o lirismo manda, caso da “Breve anotação para a cara-metade” (quando o abraço de despedida / manava agridoce / pelo vazio dos meus braços) e “É noite” (Eles tem medo da chuva. Eu não: / Eu tenho medo do domingo). Noutra hora o fragmentarismo manda ver suas cores, como em “Rua Chile” (Havia gente que saía do lugar como se fugisse / de um matagal de barulhos / ouvidos esmurrados, tímpanos ofegantes) e “Pois então é isso que herdamos”: “porque já não sei mais se sou / feito de grãos de areia / ou de pólvora”. São 64 poemas em seis partes (e o sumário com páginas erradas) funcionando como uma espécie de antologia de livros nunca lançados (exceção de “Cachorro morto”, de 2017). Não informado na orelha, o jovem também é ficcionista (estreou em “Nossa Senhora dos Alagados”, de 2020).

 

4. MAÍRA DAL’MAZ, “Agouro” (2021, Escaleras, 100 p.)
Em sua estreia oficial, a jovem paraense – crescida em solo potiguar desde pequena – ergue uma poesia bem distante de alguma zona de conforto, fato claro no título e nas várias páginas negras da edição, além de versos como “vestir preto pela palavra transviada” (“Amar quando a palavra falta”). No geral, ela produz versos focados numa aura intimista na qual “no fundo, / sabemos que salinas e pedreiras nunca perecerão / já nós / sempre teremos sede” (eis o final do poema “Aqui dentro”) e quando “há solidão em qualquer não-litoral / [...] / esquartejo as frutas / recriando teu vulto na cozinha / eu como, / pelo menos, / tua sombra”. Ela envereda até pela prosa em estrofes que soam mais como longos parágrafos (o que seriam “Eunice”, “Outros sonhos” e “Excertos do diário do capitão Ahab” se não considerar como contos que a autora deixou como versos?). Há poemas também lembrando, por exemplo, a verve mais internalizante de Marize Castro, mas sem usar os auspícios sensuais/eróticos da decana poetisa potiguar.

A geografia local surge como mote em vários textos, caso de “Lagoa de Extremoz”, “Serra da Itaretama” ou “Rol da memória” (os pássaros pretos aprendem a atravessar a rua / sob um viaduto imundo no vale do Pitimbu / olhando nos olhos de quem dirige a máquina do tempo), tudo compondo cenas sobrepostas, quebradiças. Aqui e ali, o hermetismo toma conta das páginas (“Virgem”, “Com os olhos abertos do tempo”), tornando o quebra-cabeça mais complexo entre os cinco novos nomes citados aqui, mas não há dúvidas que Maíra segue bem além do agouro previsto no título. Porém, toda escura com uma serpente azul desenhada, clichê dos mais comuns, a capa simplista não atenta o leitor a abrir o livro. Não informado na orelha e na minibiografia, a jovem é formada em Letras e pós-graduada em Educação.

5. REGINA AZEVEDO, “Vermelho fogo” (2021, Offset/Lei Aldir Blanc, 100 p.)
Livro mais consistente – a quarta obra oficial, fora as artesanais – da agora jovem poetisa, já abandonando gradativamente os cacoetes da lírica adolescente de outrora. Contém as obsessões cromáticas da autora desde o nome do livro (antes já havia lançado a obra “Por isso eu amo em azul intenso”, de 2015) e as estranhas manias de não haver sumário dos textos e não imprimir poemas nas páginas pares, a não ser que o poema ultrapasse sua página inicial.

Fora isto e citações muito diretas a figuras políticas da atualidade – o risco de o poema ficar datado parece evidente (algum lugar leitor aí lembra algum poema com Sarney?) –, os versos de Regina mapeiam um cotidiano lírico de palavras e situações simples, a exemplo de “Chuva” (a vista curva, / tremula, / que amor não é bicho / de água rasa) ou do sintomaticamente urbano “Passa”: “hoje avistei seu ônibus / um ônibus qualquer / como tantos que brilham / que passam / também o seu nome”. 

A maioria dos poemas tem tendência narrativa e de estrofe única, feito para se ler urgente de uma vez só, com raras exceções como o texto de abertura (“Tempo penso”), “Tempo”, “Língua” e “Maria”. Só não levem ao pé da letra a citação do arroz-de-festa Marcelino Freire, tratando a autora como “uma das vozes mais originais da poesia brasileira” (menos, Marcelino, menos...). Para tratar disto, poemas como “Buceta” não assustam nem o mais desavisado leitor do século XXI e não trazem nenhum impropério que Gregório de Matos não tenha citado no século XVII. Melhor lembrar o noctâmbulo “As noites corroem os olhos” (quando sumiu a palavra / para acender o silêncio / e chamar o dia) ou o metalinguístico “Espelho”: “nunca um texto é imóvel / os textos se mexem / como os edifícios”. Não informado na orelha, a jovem agora é graduanda do curso de Letras.

*Todos os livros citados estão à venda no Seburubu (Avenida Deodoro da Fonseca, Centro, Natal/RN)