Enquanto aguardam a vacina, jornalista encontra a potiguar que sabe tudo sobre a vida londrina

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Diários de Lockdown: Quando a carne é cara

Com ou sem carne, churrasco em Londres não vai acontecer tão cedo. O inverno já começou nesta parte do hemisfério.

10 de dezembro de 2020

Marcio Delgado – Especial de Londres

-Telma, e a vacina do COVID-19, vamos tomar?
-Boraaaa! Não vejo a hora!

Foi com esse entusiasmo de um ‘bora’ com três ‘as’ extras que a potiguar Telma Melo respondeu a minha mensagem enviada através do Whatsapp no começo de dezembro, quando a mídia local anunciou que o governo britânico havia aprovado as vacinas das farmacêuticas Pfizer e BioNTech.

Telma está em Londres há mais de uma década, mas já havia morado na Inglaterra muitos anos antes, como estudante. Quando eu decidi vir para Londres, foi Telma que me deu um curso relâmpago de como viver como um típico local em Londres. Lembro como se fosse hoje, sentados no Pittsburg da Prudente de Morais, anotando em um bloquinho cada passo, cada dica. Dos supermercados mais baratos a como viajar sem gastar muito, dicas de bairros e até como economizar na hora de ligar para casa para dar notícias da terra da rainha aos familiares que continuavam derretendo no calor de Natal. 

Sim, eu e Telma somos de um tempo que não existia Facebook para enviar mensagens nem Whatsapp para fazer ligação gratuita a qualquer hora do dia. E como ligação interurbana era algo caríssimo, a solução era comprar um cartão telefônico de créditos e ir ligar da rua, no frio. E não era sequer de uma daquelas cabines telefônicas vermelhas de Londres que são mostradas nos filmes não. Estas só aceitam ficha ou moedas. A ligação era feita de uma cabine preta, fechada, com cheiro de urina e roupa suja – anos mais tarde descobri que era porque moradores de rua usavam estas cabines para dormir durante a noite, e urinar durante o dia.

Assim como eu, Telma também acha que o segundo período de confinamento inglês, durante todo o mês de novembro, foi bem mais fácil de lidar. Já estávamos vacinados contra a monotonia causada na primeira fase que durou de março a julho de 2020.

“Porém trabalhar em casa e ao mesmo tempo ter meu filho adolescente tendo que estudar e fazer as tarefas foi desafiador, tanto em uma quarentena como na outra. Ambos precisavam do mesmo computador o dia todo. Somada a ansiedade, também não ajudou o fato de que não deu para ir ao Brasil de férias, como fazemos todos os anos. Nada de descanso.”

Ingleses não se descabelam muito facilmente. 

É um povo pacífico, que tem horror a quebradeira. Aqui mal falamos com os vizinhos, cada um na sua. Mas a pandemia revelou um outro lado deste jeito lorde de ser e que há limite para tudo, até para a paciência inglesa. 

No dia seguinte quando anunciaram o primeiro lockdown, fui ao mercado e me deparei com cenas que poderiam ter sido retiradas da série americana de horror apocalíptico ‘The Walking Dead’: consumidores vagando como zumbis, jogando dentro do carrinho de compras tudo que podiam arrastar das prateleiras semi-vazias. 

Vi uma senhora que mal podia andar, empurrando dois carrinhos ao mesmo tempo: um com mais de 20 pacotes de papel higiênico, outro com cinco pacotes de sal tamanho industrial, geralmente comprados por quem tem restaurante, porque cada pacote destes é mais ou menos do tamanho de um saco de cimento e pesa em torno de 50kg – a probabilidade de que ela estivesse fazendo compra para abastecer um restaurante é muito remota já que, devido a pandemia, todos os estabelecimentos comerciais haviam fechado por ordem do governo.

Não demorou para que casos como o desta velhinha do meu bairro, obcecada por sal e papel higiênico, ganhassem as manchetes do país, com profissionais da área de saúde tentando explicar o que leva as pessoas a comprar desenfreadamente, como se o mundo fosse acabar amanhã.
Pior: segundo o professor e psicólogo Steven Taylor, da universidade da British Columbia, comprar de forma irracional causa um efeito cascata perigoso, com o comércio tirando vantagem do desequilíbrio entre demanda e procura e reajustando preços.

“Se o preço de um rolo de papel é triplicado, o consumidor vê isso como um produto escasso no mercado e que é melhor comprar logo, o que acaba causando ansiedade e falta de produto.” – explica Taylor, autor do livro “The Psychology of Pandemics” (A psicologia das pandemias, em tradução livre), publicado pela editora acadêmica inglesa Cambridge Scholars Publishing.

Quem não foi tão curioso quanto eu para ir ao supermercado ver de perto o fim do mundo através de gondolas vazias – com direito a empurra-empurra e até gente brigando por uma latinha de molho de tomate – não teve muito êxito ao tentar fazer compras através da internet.

“No primeiro lockdown eu chorei de desespero tentando comprar carne e comida em geral porque, como não tenho carro, geralmente compro nos supermercados online. Mas durante esta pandemia nunca havia vaga para entrega. Tudo lotado! Eu moro longe das redes de supermercado maiores e também estava com receio de sair por causa do vírus. Não tem como não ficar com medo quando todos os dias o noticiário mostra na TV 600 mortes na segunda-feira, 750 na terça...Passei mais de uma semana em desespero, com medo de que iria chegar uma hora que eu não teria mais comida em casa porque não tinha onde comprar. Até que achei um açougue brasileiro que estava fazendo entregas de carne. Caríssimo, mas foi o jeito de garantir pelo menos a carne do mês.” – relembra Telma que mora no oeste de Londres, uma das áreas mais afetadas pelo coronavírus na capital inglesa.

Com ou sem carne, churrasco em Londres não vai acontecer tão cedo. O inverno já começou nesta parte do hemisfério.
E mesmo que a neve não estivesse a caminho, para coincidir com o Natal, o término do segundo lockdown no dia 2 dezembro, no Reino Unido, deu início a um sistema de faixas com restrições que incluem a proibição de visitas e festas em casa.

Mas pelo menos agora temos prateleiras cheias – até de papel higiênico e sal – e uma vacina a caminho.


Márcio Delgado é jornalista e Coordenador de Marketing de Influência morando em Londres, Reino Unido
@marcio_delgado

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