Mundar para driblar a trajetória meia-boca da experiência
Colunas
Na busca por um motivo para dar significado à existência, encontramos personagens com seus desejos de mundo
20 de setembro de 2024
Ítalo de Melo Ramalho
Há algum tempo que os domingos para mim tem a cara de concurso público. E não importa se faz sol ou chuva; se faz calor ou frio; se bebo cerveja ou água de coco; se caldo de cana ou suco da fruta. Não importa! Ultimamente os domingos sempre têm a cara de concurso público. Antes, bem antes dessa minha petrificada visão, a face dos domingos era disputada entre as peladas do futebol e as fuleiragens do programa Sílvio Santos. Existia uma pequena pluralidade de lazer para o santo dia do frango em família.
É verdade, as pessoas sempre estão à procura de um motivo para dar significado à existência. Mais precisamente, o motivo relatado nessa crônica está ligado ao êxito profissional ou a algo que permita nos sustentar na corda bamba até o dia do sumiço eterno. Pouquíssimos encontram uma sustentação financeira na qual possam utilizar a sua força de trabalho aliada à satisfação em viver. Outros, que acredito serem a maioria, sustentam-se da maneira que a vida vai desenhado, através dos rastros, a trajetória meia-boca da experiência. E os mais desafortunados vivem dos bicos e das esmolas sociais que estão impregnadas de deus abençoe.
Certa vez eu encontrei Jesus numa conveniência de posto de gasolina em Natal, RN. Era uma madrugada de sexta para sábado. A folia dentro daquele pequeno espaço estava grande. Eu e meus amigos, os famosos Pombos Sujos, estávamos numa daquelas resenhas que só quem já viveu esses momentos compreenderá o que digo. Risadas de um lado, fofoca de outro, o local pegava fogo. Jesus entrou como se estivesse saído dos braços do Padre Júlio Lancelotti. Olhou fixo nos meus olhos e disse: que país é esse! Sem entender o mestre de Nazaré caímos numa gaitada coletiva. Inclusive ele!
Dizem por aí que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Quanto ao lugar eu posso até concordar com algumas restrições. No entanto, quando o lugar é a cabeça da pessoa, discordo com todas as minhas convicções. Desculpa. Com todas as minhas certezas. Pois, aqui em Aracaju, não encontrei apenas Jesus, mas também Simão Pedro. Ele mesmo. Homem que negou o Cristo três vezes antes do galo cantar. Depois de um breve papo com o homem, fui dar conversa a Pedro. Me disse o pescador, que nasceu em Alagoinhas, Bahia, e que já morava em Aju há 40 e tantos anos. Hoje, aposentado, curte os dias tomando 2 ou 3 latinhas escondido da esposa, à qual ele deu a alcunha de delegada federal.
Puxando conversa com Pedro, perguntei se ele gostava de música. Ele disse que sim, mas que antes gostaria de tirar uma dúvida jurídica. Dúvida dirimida, o pescador começou a debulhar a sua biografia que mais me pareceu um estado de coisas inconstitucionais. A melhor foi que o peste era funcionário do Banco Excel. O seu expediente começava às 7h00 e não encerrava antes das 21h00. Todos os dias via da sua janela um grupo de pessoas reunidas das 17h00 até as 19h00 tomando uma cervejinha. Agoniado que só ele, decidiu descer e perguntar o porquê daquele encontro diariamente. A resposta que obteve é que aquelas pessoas trabalhavam por turno enquanto ele não. Isso foi estopim para pedir as contas do banco e procurar um novo trampo.
Pedro me deixou atiçado para saber o resto da história. E curiosamente perguntei: arranjasse um novo emprego? Ao que me respondeu: arranjei! De ASG! Mas por pouco tempo. A datilografia salvou a minha vida. Me permitiu ser alguém na vida e trabalhar por turno. Ele deu uma espiada e viu que a delegada estava na calçada, mesmo assim, me fez uma pergunta: Jesus me disse que você anda fazendo concurso, é verdade? Eu disse: sim, é verdade! E, tripudiando da minha condição, destampou a cerveja original deu um bom gole e largou essa: você é um menino na minha frente! Quando você andava eu já corria! Antes de sentar o pé no asfalto, olhei para a cara do traidor e gritei em direção à delegada: ele tá aqui! Pelo rabo do olho vi que Jesus sorriu!
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