Quitéria Kelly esteve à frente de espetáculos premiados no Brasil. Foto: Brunno Martins
Reportagens
Uma das grandes atrizes do Rio Grande do Norte fala sobre carreira e projetos com o Grupo Carmin
02 de janeiro de 2022
Cefas Carvalho
Atriz, diretora, premiada, ´global`, Quitéria Kelly parece incansável e dotada do poder de fazer os dias terem mais de 24 horas. Intensa nas ideias e palavras, foi com essa empolgação que ela recebeu a reportagem de Típico Local para falar de seus projetos pessoais e coletivos para 2022, como um novo espetáculo do Grupo Carmin, que completa catorze anos, da qual é uma das fundadoras e integrantes, da experiência gravando a novela “Malhação”, na Rede Globo e da sensação de voltar a morar em Natal – pelo menos pelos próximos seis meses – após temporada de cinco anos morando no bairro de Laranjeiras, zona Sul do Rio de Janeiro.
“O Grupo Carmin está muito otimista em relação a este novo ano”, registra Quitéria, assinalando que as duas últimas peças do grupo, as premiadas “Jacy” e “A invenção do Nordeste” terão suas últimas apresentações on line neste mês de janeiro de 2022, “como se cumprindo um ciclo”. E a partir daí o grupo ensaia e prepara o novo espetáculo, “Gente de classe”.
Com previsão para estrear entre junho e julho “em Natal, pois é uma tradição do Carmin estrear as peças em Natal para só depois correr o Brasil”, explica Quitéria, “Gente de classe” tem dramaturgia de Henrique Fontes e Pablo Capistrano e direção de Pedro Fiúza, com Robson Medeiros, Matheus Cardoso e a própria Quitéria no elenco. “Houve uma espécie de revezamento em relação à ´Invenção do Nordeste` onde eu dirigia, Pedro ficou na parte técnica e Henrique em cena. No Carmin gostamos que cada um experimente funções diversas em um espetáculo.
“Gente de classe” teve sua origem ainda em 2017, quando o grupo leu livros do sociólogo Jessé Souza sobre a origem da classe média do Brasil e resolveu montar uma peça com essa tema. “Depois as ideias ficaram mais amplas e a obra de Jessé ficou como ponto de partida. Percebemos que no Brasil a classe média foi responsável pela República e pela Democracia, afinal a classe rica e as classes menos abastadas não tem essa preocupação com o regime político, uma quer seus privilégios e a outra sobreviver, são extremos que não se tocam”, registra Quitéria.
“Com base nessas teorias e ideias criamos a história de uma família de classe média que vive em um condomínio de alto padrão de Natal”, explica a atriz. Trata-se de uma comédia, portanto? Segundo ela, sim, mas que pode ter outras visões e não terá o tom de didatismo de “A invenção do Nordeste”, baseada em livro de Durval Muniz de Albuquerque e que também olha com atenção para diferenças socioeconômicas.
MALHAÇÃO
A reportagem fez a Quitéria pergunta que muita gente pensa em fazer: Qual a sensação em um momento realizar peças de cunho sócio baseada em livrios de sociologia e em outro momento gravar uma novela considerada “para adolescentes” na Rede Globo, como “Malhação”? “No final das contas foi uma experiência muito boa, não tenho o que reclamar nem criticar. Mas é um negócio de doido. Grava-se 48 cenas por dia, é como uma fábrica... decora o papel, grava, decora grava...”, diverte-se.
“Mas ao contrário do que pensam justamente pela velocidade das gravações os diretores e a equipe técnica são muito bons, todos muito experientes. E é um negócio muito profissional, tem que chegar com o texto decorado e totalmente preparado”, assinala. Quitéria registra ainda outro paradigma desconstruído:
“Quem não assiste acha que é tudo muito água com açúcar, muito padrão, mas o autor sempre consegue inserir boas discussões nos textos. Em uma cena, por exemplo, o autor conseguiu colocar nas minhas falas críticas a algumas das declarações de Damares (Alves, ministra da Ação Social) já que eu fazia a coordenadora da escola. Idem em relação àquela censura na Feira Literária que o então prefeito Crivella fez e que Malhação conseguiu debater”, lembra, “Enfim, eu fazia até animação de festas em Natal, por que não trabalharia em um local profissional como a Globo? Preciso pagar minhas contas como todo mundo e me senti extremamente respeitada como profissional e arista”, sentencia.
NATAL
Paraibana de João Pessoa, Quitéria mora desde criança na capital potiguar, onde criou laços e construiu sua carreira artística. “Estou em Natal para montar com o Carmin o novo espetáculo, mas também para me reenergizar. Natal me proporciona isso de uma maneira que o Rio de Janeiro, por mais vantagens que tenha, não consegue. Mas no segundo semestre provavelmente vou voltar para o Rio, seja para projetos outros, como um monólogo, por exemplo, seja para turnê de Gente de Classe”, diz.
INVENÇÃO DO NORDESTE
Multipremiada, vencedora dos Prêmios Cesgranrio e Shell, “A invenção do Nordeste” marcou época para o teatro potiguar e também nacional. Mas o início do processo foi de insegurança, recorda Quitéria. “Eu achava que daria muito errado. Pensei que não daria certo e que falariam ´Ah, olha aí a atriz que quer dirigir´. Acabou que tivemos temporadas bem longas e bem sucedidas em Rio e São Paulo. Uma curiosidade é a reação das plateias: em São Paulo, os risos são de nervoso, percebe-se um certo mal estar. No Rio, os risos são rasgados”.
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