Autora concorre ao 8º Prêmio Kindle de Literatura pelo romance “Bordado em Ponto Corrente"

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Rute Ferreira: “Acredito que a internet diminuiu as distâncias regionais para a literatura”

Para a autora maranhense, conseguir produzir uma literatura que fale do que é próximo ao autor desperta o interesse de leitores de outros locais

23 de julho de 2023

Cefas Carvalho

Maranhense nascida em São Luís, em 1991, atualmente vive em Tutóia, no litoral. Tem graduação em Teatro pela Universidade Federal do Maranhão. É autora de “Eu te serviria meu coração com vinho branco” (Ed. voz de mulher, 2022), “Estranha mania das abelhas” (Editora Urutau, 2022) e “Bordado em ponto corrente” (Independente, 2023), que concorre ao 8º Prêmio Kindle de Literatura. Nessa entrevista, ela falou sobre sua obra, projetos, como vê a literatura produzida por mulheres e machismo no mercado editorial. Confira:

Você nasceu em São Luís, no Maranhão, estado onde ainda mora. Como essa distância das chamadas “capitais” literárias (Rio e SP) afeta sua percepção da vida, do mundo e a literatura que você produz?

Posso estar sendo ingênua ou otimista demais, mas acredito que a internet diminuiu essas distâncias. Editoras abrem chamadas para todo o país, por exemplo, e a despeito do networking que vale muito e é feito em eventos presenciais, as oportunidades se ampliaram. Gosto da vantagem de conseguir produzir uma literatura que fale do que é próximo pra mim: rios, casas de forno, povoados, esses elementos que abrem caminhos para diversas possibilidades de ficção e que sempre me interessaram como leitora também. Não que isso seja impensável em metrópoles, mas estar perto de galinhas e carneiros me faz escrever melhor sobre eles. Mesmo assim é sempre mais complicado quando se mora nas margens, porque eu tenho a impressão de que precisamos fazer o dobro pra ter a metade da atenção de editoras maiores e até do público mesmo.

Seu elogiado livro de contos “A Estranha Mania das Abelhas” tem diversos elementos que fazem referência à obra de Lima Barreto, inclusive nomes das personagens femininas. Como se deu essa homenagem ao escritor carioca e como a obra dele te impacta e influencia?

Li Triste Fim de Policarpo Quaresma na adolescência e não me dei muito bem com o livro na época. Então quando reencontrei esse livro foi ao mesmo tempo algo que eu conhecia mas que era novo. O que mais me impressionou nessa leitura foram os dramas paralelos que Lima Barreto foi costurando ao lado do tema principal, do patriotismo do major. As mulheres, todas elas, pareciam a princípio apagadas. Com o decorrer da leitura, a gente percebe que, pelo contrário, elas são personagens complexas, profundas. O desencanto de Ismênia, o anonimato de Adelaide, a teimosia de Olga, entre outras características que o narrador desvenda aos poucos, isso me deixou muito impactada. Eu já vinha escrevendo alguns contos e achei nessas personagens e em outros elementos do romance de Lima Barreto a liga que deu coerência ao conjunto.

Nesse livro, seus contos mostram, como se definiu “mulheres imersas em universos carregados de angústia, solidão e loucura” como temas como o retorno de um grande amor, expectativas e condição feminina, e mesmo que remetem a racismo e feminicídio, questões bem atuais. Como você vê a abordagem dessas questões, digamos, femininas, na literatura atual produzida por mulheres?

Acompanho as discussões sobre o papel e o espaço da mulher na literatura contemporânea e penso agora na Mariana Enriquez, em As coisas que perdemos no fogo e na Carmen Maria Machado, em O corpo dela e outras farras. São contos insólitos, mas você entende o que elas querem dizer, elas estão falando de violência, de não ser dona nem sequer do próprio corpo, de não poder caminhar na escuridão. São questões atualíssimas. Mas penso também na Charlotte P. Gilman e no Papel de parede amarelo, de 1892, em que a loucura e o controle por parte de um homem são postos em evidência. No entanto, a ideia de questões femininas na literatura é uma coisa que sempre me leva a outro ponto: Quais são as questões masculinas na literatura? O feminicídio é uma questão masculina também, já que estatisticamente, são os homens que vêm matando as mulheres. São muitas camadas. Acredito que as mulheres vêm usando uma linguagem muito específica, que fica entre o horror, a distopia e o terror (mas não só), para escavar essas camadas.

Seu romance “Bordado em Ponto Corrente” concorre ao 8º Prêmio Kindle de Literatura este ano e está disponível para download e leitura De que se trata o livro e quais suas expectativas com ele?

Bordado em ponto corrente é um drama familiar. A trama se passa num povoado fictício chamado Santana da Solidão, que é cortado pelas águas escuras de Rio das Almas, um rio que, à semelhança de um deus, leva sacrifícios para poder continuar dando vida à comunidade. No entanto, ele seca logo depois que devolve uma moça de suas águas, e ele nunca tinha devolvido ninguém assim. É um livro em que a influência do realismo mágico é muito forte pra mim, porque eu não saberia contar essa história de outra maneira. Também tem influência do teatro grego, especialmente de Édipo Rei e Antígona, não no enredo, mas na importância do destino, na força do destino. Inscrevi o livro no prêmio Kindle com o objetivo principal de alcançar mais leitores, mas confesso que tenho ficado surpresa com a boa recepção, com as avaliações e mensagens. Agora tenho até a expectativa de que o bordado esteja entre os finalistas do prêmio. Vamos torcer.

Seu primeiro livro publicado “eu te serviria meu coração com vinho branco”, como foi o processo de escrever e publicar esse livro?

Eu vinha escrevendo histórias há anos, desde 2011. Em 2021, depois de várias trocas de notebook com a pasta “textos” sempre em backup, resolvi que era hora de mexer um pouco nelas. Aproveitei algumas coisas, excluí outras e quando fiquei satisfeita com algumas, publiquei na amazon e avisei aos amigos pelas redes sociais. De repente os amigos estavam indicando a outros amigos e perguntando quando eu ia publicar mais ou lançar um livro físico. Foi inesperado. Os contos de eu te serviria meu coração com vinho branco passeiam muito pelo insólito, pela ficção especulativa: serpentes que fazem favores, mulheres que se escondem em quadros, hotéis que desaparecem. Então, no final do ano, a editora voz de mulher abriu uma chamada e eu enviei o livro, incluindo alguns contos inéditos, que eu escrevi depois. Escolhi um momento apropriado pra lançar esse livro: no meio de uma mudança! Eu morava em Fortaleza, na época, e estava voltando pro Maranhão quando o livro foi publicado e isso me soa como um momento de transição que também diz respeito ao que esse livro significou pra mim. Foi depois dele que eu comecei a dizer que fazia literatura.

Como você avalia o comportamento do mercado editorial em relação a mulheres escritoras? Existe machismo no mundo editorial-literário? As mulheres têm o mesmo espaço que os escritores homens?

Existe machismo no mercado editorial porque existe machismo na sociedade e o mercado não está isolado dela. Outro dia eu vi uma lista de “x livros que você deve ler” e a lista inteira só tinha autores homens. A Rebecca Solnit fala disso também quando notou o mesmo numa lista de uma revista em que só havia uma mulher em 80 nomes. Tem alguns perfis que sigo no instagram que se você descer o feed não vai achar uma indicação de mulher entre os posts. Então não vejo o mesmo espaço, mas penso que vem do fato de as mulheres se sentirem menos seguras da própria criação, de modo geral, o que é também outro reflexo do machismo. Por outro lado, fico muito pensativa quando vejo um tom imperativo pra que o leitor leia x mulheres por ano porque embora a literatura seja um ato político a experiência de leitura é subjetiva e pessoal.

Quais os autores e autoras que te influenciaram ou que você leu ou lê com frequência?

Lygia Fagundes Telles e Ray Bradbury são dois autores que influenciaram muito a escrita dos meus primeiros contos, acho que ainda me influenciam. Gabriel Garcia Marquez, Mia Couto e Elena Garro também, principalmente nesse primeiro romance. Releio com muita frequência Hilda Hilst, Milan Kundera e um livro do Josué Montello, chamado Janelas Fechadas, porque gosto do narrador e da protagonista. Leio muita literatura contemporânea também, troco meus livros com outros autores e a gente vai criando um diálogo, construindo uma conversa, não só sobre o mercado editorial atualmente mas sobre o próprio ato de escrever.

Quais os seus próximos projetos literários? Possui inéditos na gaveta que pretende publicar?

Tenho um original de contos pronto que vai ter um destino até o fim do ano, não são inéditos porque eu sempre compartilho contos na minha página do medium, inclusive acho que o fato de compartilhar antes é que me dá segurança para publicar depois. Também estou trabalhando numa peça teatral. Eu comecei a escrever ficção a sério a partir do teatro e acho que é um bom momento para retomar isso. E estou planejando um novo romance, que já está iniciado na verdade, que é bem diferente do primeiro e pende mais pro lado da fantasia e distopia. No entanto, são projetos que estou tocando devagar já que por conta do lançamento de Bordado eu venho dando mais atenção a essa divulgação agora. Mas uma vez que comecei, não consigo mais deixar de criar.