Dona Militana foi a principal fonte para pesquisas sobre romances medievais. Foto: Candinha Bezerra
É Típico!
A romanceira potiguar completaria 96 anos nesta sexta-feira. Seu legado está registrado no álbum triplo "Cantares", do Nação Potiguar
19 de março de 2021
Cinthia Lopes
A romanceira Dona Militana completaria 96 anos nesta sexta-feira (19). Ela faleceu em 2011 e deixou para as gerações futuras, um legado de histórias, cantos e romances de tradição ibérica, memorizados pela sua mente prodigiosa como joias que viajaram pelo tempo através da oralidade do povo. Pela grandiosidade de sua habilidade e legado, a romanceira é homenageada desta sexta-feira no Doodle da capa do Google.
A ilustração mostra a cantadora no cenário da casinha de taipa do sítio Oiteiro, onde viveu em São Gonçalo do Amarante. Mas as imagens mais famosas dela ainda são com seu habitual cachimbo, sentada na cadeira de balanço debaixo da sombra de uma frondosa mangueira. Dona Militana foi a principal fonte para pesquisas de estudiosos da cultura popular, sobretudo o romance medieval nordestino, por suas modinhas, xácaras, toadas de boi entre outros estilos que contam as historias de princesas, plebeias, cangaceiros, escravos e coroneis.
As histórias narradas em forma de canto estão registradas no CD triplo “Cantares”, realizado no início de 2000 pelo selo cultural Nação Potiguar, como parte do mapeamento sonoro das matrizes musicais do Rio Grande do Norte. Em 2020, esse material foi todo digitalizado numa parceria entre o gestor Dácio Galvão e o músico Anderson Foca, com a coordenação também Candinha Bezerra, uma das criadoras do projeto Nação Potiguar.
Está disponível em todas as plataformas de streaming e é uma oportunidade para quem tem curiosidade em conhecer esse material. Além das gravações da romanceira acompanhada de violas, as faixas do CD “Cantares” trazem colaborações, como Antônio Nóbrega cantando uma das narrativas. O pernambucano gravou a faixa “Romance de Clara Arlinda”. Militana narra romances “A Mulher Traidora e o Capitão Traído”, “Romance da Nau Catarineta”, “Romance de Dona Branca”, "Romance de a Bela e O Mouro”, “A Bela Infanta”, “Os Piratas”, “A Estrangeira”, entre outros.
Para Dácio Galvão, produtor dos discos que registram a obra de Militana, a romanceira passou de "informante de dados menmônicos romanceiros, ao alcance do protagonismo de artista desenvolta. Ocupou e dividiu cenas com Antônio Nóbrega, Ariano Suassuna, Mestre Salustiano, entre outros grandes nomes da cultura brasileira. Ela própria conseguiu difundir sua arte pelo país", disse.
Romance da Clara Arlinda (part de Antônio Nóbrega)
https://www.youtube.com/watch?v=eCvMvqb8ljc
Cantos de sabedoria
Militana Salustino do Nascimento nasceu em 19 de março de 1925, no sítio Oiteiro, na comunidade de Santo Antônio dos Barreiros, em São Gonçalo do Amarante. Herdou do pai, Atanásio Salustino do Nascimento, a habilidade de cantar. O pai era uma figura folclórica de São Gonçalo, mestre dos Fandangos. Como não sabia ler, Militana memorizava todas as histórias. Em uma entrevista ao jornal Tribuna do Norte, ela disse que tinha “mais de 55 romances no quengo”. Os romances vieram da Europa Medieval e alguns tem mais de 700 anos, mais precisamente da cultura ibérica, carragavam em seus enredos histórias trágicas sobre príncipes e plebeus. Chegaram por aqui trazidos pelos Mouros.
Sua aparência era imponente com seu sorriso de canto de boca e jeito arredio. A memória, uma prova da sabedoria popular. Quando falava, transformava frases simples em ditados. Sua história ela mesma cantou, inclusive está registrada no álbum “Cantares”. Em 2003, Militana participou do Festival Mada, também do projeto Seis e Meia e de vários eventos fora do RN. 2005, a romanceira recebeu em Brasília, das mãos do Presidente Lula da Silva, a Medalha do Mérito Cultural Brasileiro, maior honraria cultural.
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