Ramos, como é mais conhecido o sebista, lembra trajetória, alegrias e percalços de sua jornada.
Reportagens
De uma cigarreira com 413 livros nasceu o Sebo Balalaika, um dos mais importantes espaços culturais da cidade
04 de dezembro de 2021
Cefas Carvalho / Exclusivo para o Típico Local
Nascido em Nova Cruz, a 114 km de Natal, em 1961, Severino dos Ramos Duarte veio morar ainda criança na capital potiguar, onde fez parte de uma geração que praticamente criou e consolidou a cultura sebista na cidade e que resiste até hoje na comercialização de livros usados no Centro de Natal e, mais que isso, na manutenção dos sebos como espaços culturais de extrema diversidade e versatilidade.
Dono de boa memória e contador de ´causos` vividos e testemunhados no cenário sebista e cultural de Natal nas últimas três décadas, Ramos, como é conhecido no Centro e pelos frequentadores do Sebo Balalaika, recorda: “Eu comecei a me interessar por sebos quando frequentava o Sebo de Jácio Torres, nos anos 1980, ainda no Alecrim. Na época eu trabalhava na Livraria Universitária (que funcionava na Avenida Rio Branco) e Abimael Silva na Discol (que funcionava na Rua Princesa Isabel). Nós frequentávamos Jácio e também trocávamos livros e discos um com o outro”.
Em 1987, Ramos e Abimael trabalhavam em agências bancárias, o primeiro no Econômico, o segundo no Unibanco, e ambos decidiram largar os empregos burocráticos para abrir um sebo em conjunto, “na verdade uma cigarreira, que funcionava ali no que hoje é a rua que dá continuidade ao beco da Lama”. Mas, a parceria durou pouco tempo e cada um seguiu para montar seu próprio sebo.
“Comprei uma cigarreira e com os 413 livros que tinha em casa montei um pequeno sebo chamado Letras & Música”, lembra Ramos. Logo depois, um fato inusitado que movimentou o processo: “O poeta Luís Carlos Guimarães viu minha batalha para montar o sebo porque me conhecia da Livraria Universitária e via meu método de seleção de organização de livros e me doou mil livros. Como o espaço na cigarreira ficou pequeno, montei em parceria com Geraldo Carneiro, o sebo na Rua Gonçalves Ledo”, registra.
No Letras & Música na Gonçalves Ledo, Ramos recorda que começaram as exposições e movimentações culturais que marcaram sua vida nas décadas seguintes. Também em 1989, outro fato marcante: a realização da primeira Feira de Sebos de Natal, realizada na Praça André de Albuquerque e que foi realizada outras vezes de maneire sazonal e que marcou o cenário sebista na cidade. Em 1990, Ramos e Abimael, junto com outros sebistas que surgiam, criaram o Espaço Cultural Jorge Fernandes, que também marcou época pela mostra de artistas plásticos em surgimento na cidade.
Entre 1991 e 1992 e com o fim da parceria com Geraldo, Ramos relembra que resolveu mudar o sebo para a Vigário Bartolomeu, no espaço onde hoje é o estúdio do artista plástico Jean Desmoulins, o Jotó, mas logo depois se instalou no espaço de baixo, no número 565, onde está até hoje. E instuiu o nome do sebo como Balalaika, “em homenagem a um poema de Vladimir Maiakovski que gosto muito. Na época eu lia muito os autores russos”, assinala.
Hoje o Sebo funciona de segunda a sábado das 9h às 12h e das 13h ás 17h com acervo de 8 mil livros de gêneros diversos. “Só não trabalho com livros didáticos, nem jurídicos nem de Medicina”, afirma Ramos. Ele não reclama do movimento: “Vem muita gente ao sempre, ainda se vendem muitos livros físicos. Existem tanto os intelectuais mais velhos que querem livros específicos como a moçada que compra livros do Harry Potter. Fico feliz em indicar livros para quem vem à procura de algum coisa”, afirma.
SÁBADO DE RAMOS
Nestes quase trinta anos de Sebo Balalaika na atual formatação, Ramos lembra dos altos e baixos e da movimentação cultural que o espaço ajudou a fomentar. “Fizemos aqui exposições, colocamos inclusive uma orquestra de frevo em frente ao sebo para ´competir` com a primeira edição do Carnatal. E o sebo ajudou na divulgação de muitos artistas plásticos e músicos”.
Em 2013, a primeira edição de um evento que marcaria e continua marcando o espaço: O Sábado de Ramos. “Pensamos um evento para celebrar a poesia potiguar e eu coloquei o nome de Ode aos Poetas. Mas o poeta Lívio Oliveira brincou dizendo que deveria se chamar Sábado de Ramos, em alusão ao dia do evento e à festa católica e ao meu sobrenome, e a brincadeira pegou”, diverte-se.
O primeiro Sábado de Ramos foi um sucesso e teve homenagem ao poeta Jota Medeiros. A segunda edição em 2014 repetiu o êxito e celebrou Deífilo Gurgel, folclorista e escritor e pai do escritor e chef Alexandre Gurgel, colaborador usual do Balalaika, onde realiza nas edições do Sábado de Ramos oficinas culinárias e degustação coletiva.
PRATODOMUNDO
Neste sábado dia 4, a partir das 12h30, haverá uma espécie de retomada do Sábado de Ramos dentro da programação do Pratodomundo, evento gastronômico e musical que a Samba – Sociedade de Amigos do beco da Lama e Adjacências realiza no Centro de Natal há catorze anos.
Segundo a organização do evento, no sebo neste sábado Alexandre Gurgel irá preparar o prato 'Camarão à Potyguara' um camarão salteado na manteiga do sertão com mix de castanhas de caju, creme de jerimum e alecrim que será servido gratuitamente aos presentes. Também haverá exposição do acervo de Alaxendre de peças utilitárias e figurativas da incrível arte indígena. Às 15h a parte musical em palco armado em frente ao sebo, show com Joca Costa e Heliana Pinheiro no show Bossa & Jazz. “Fico feliz com essa retomada do Sábado de Ramos e da programação cultural neste espaço”, diz.
EXPOSIÇÃO DE VICENTE SANTEIRO
Neste sábado também voltam as exposições no Balalaika, com as obras de Vicente Santeiro ( novo nome artístico de Tiago Vicente), que segundo Edrisi Fernandes, entusiasta da exposição, “produz uma arte figurativa onde elementos míticos, arquetípicos e iniciáticos aparecem frequentemente, com uma “pegada” surrealista e mágica que articula-se com um bem-executado cubismo rico em complementaridades, simetrias, contrastes e mosaicos, numa profusão de cores alegres em celebração da alegria (muitas vezes com cenas circenses) ou com tons serenos propícios à reflexão”.
A expo também é uma parceria com a plataforma Acesse & Compre, canal onde Ramos tem comercializado diversas obras de arte, além de livros e discos.
“Vicente começou como artista profissional aos 20 anos, obtendo prontamente o acolhimento pelo mercado. Até meados de 2019, quando preferia retratar cenas da “marginalidade” urbana e suburbana e dos jogos de Eros e Thanatos desde os recônditos do subconsciente, assinava suas obras – mais abundantes em giz de cera e óleo sobre tela - como Tiago Vicente, mas resolveu adotar seu nome artístico atual por razões mercadológicas e de identidade espiritual - não como fazedor de santos, mas como devoto e mensageiro do Mais Santo, entendendo a arte como janela do Divino e para o Divino. Executou trabalhos em Recife, Salvador, Brasília e São Paulo, retornando a Natal, onde se fixou”, registra Edrisi.
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