Vladimir da Silva , do Sebo Loki Discos. Foto: Alexandre Alves
Reportagens
Espaços de livros e discos garantiram o mínimo de vendas a graças internet e aos clientes fieis. Alguns aproveitaram para adquirir acervos raros
09 de agosto de 2020
Por Alexandre Alves
Eles já existem com nítida presença na paisagem natalense desde a década de 1980 (já existiam casos isolados durante os anos 70). Contudo, as necessárias “loja de segunda mão” – os famosos Sebos – estão vivendo uma fase complicada em meio à pandemia que assola o país e periga seguir até 2021.
Movidos basicamente pelos objetos culturais de massa – leia-se aqui livros e discos – que ganharam propulsão em meio à indústria cultural no século XX, os sebos sempre foram uma alternativa para se conseguir tais produtos. É lá onde se encontram livros e discos mais baratos num país de clara desigualdade social ou até aqueles mais raros e fora de catálogo nas editoras e gravadoras brasileiras (aliás, problema crônico no país). Os sebos cumprem uma essencial função ao mesmo tempo econômica, social e cultural, mas cada um deles se porta de modo distinto diante da atual situação.
Sem políticas públicas que salvaguardem os meios culturais possíveis – a Lei Adir Blanc ainda se faz um mistério (quando vem, quanto vem e se vem) –, aqui aparecem de forma ilustrativa 05 sebos natalenses que explicam, através de seus proprietários, como continuar vivo nesta esquina dos trópicos aos trancos, barrancos, livros e discos.
Vera e Jácio contam que os clientes tradicionais do sebo não deixaram de frequentá-lo, mantendo viva a movimentação e fazendo até doações.
SEBO CATA-LIVROS: SALVO PELOS CLIENTES
Nascido no decênio de 1970 e agora vendo o vírus voando pela capital, Jácio e Vera tiveram que fechar suas duas lojas em março. Seja no espaço recente endereço da Prudente de Morais – para o qual mudaram no começo de 2019 – ou na loja no Mercado de Petrópolis, este comandado por Vera, a conjuntura foi complicada: “Fechei lá e vim ajudar Jácio aqui. Lá estava proibido de abrir pela Prefeitura e aqui na Prudente aguentamos ficar fechados no começo da pandemia. Mas aí vimos que tinha conta para pegar e não podíamos ficar só em casa. As vendas na internet ajudaram, mas não resolviam”.
Vera e Jácio confirmam que os clientes tradicionais do sebo não deixaram de frequentá-lo, mantendo viva a (escassa) movimentação e fazendo até doações. Jácio comenta o momento: “O carro-chefe em vendas é o livro, em especial a literatura. São os que vendem mais, além de obras do Rio Grande do Norte”. Entre fins de junho até agora, o movimento melhorou, mas ainda bem longe do normal. Lembrando que foi este sebo que bancou a única reedição do primeiro livro de poesia marginal no RN (a obra “Máquina de lavar poemas”, de João Gualberto). Ainda bem que seus fiéis frequentadores entenderam as dificuldades e não deixaram a simpática dupla sozinha a ver livros e discos.
ENDEREÇO: RUA PRUDENTE DE MORAIS, ENTRE A AV. BERNARDO VIEIRA E A AV. ANTONIO BASÍLIO
Abimael Silva enfrentou meses fechado na base de encomendas. Agora retoma a agenda de lançamentos | Foto: Alexandre Alves
SEBO VERMELHO: LANÇAMENTOS ADIADOS E VOLTANDO "NO VERMELHO"
O sebista tem seu espaço na cidade desde a década de 1990 na principal avenida da Cidade Alta. Notório também por ser uma editora de livros, já constando mais de 500 livros lançados (!!!) no seu catálogo, Abimael Silva viu suas portas escarlates fecharem e seus lançamentos suspensos pela presença do coronavírus. Segundo ele, “Eu abria apenas de vez em quando para organizar o sebo com os milhares de livros que tem dentro e pegar uma encomenda ou outra, mas tudo sem abrir para o público”.
Pego de surpresa como todo brasileiro, Abimael conta que foram meses difíceis e novos lançamentos de livros foram todos adiados, incluindo a reedição da raríssima obra “Duas cabeças”, do poeta negro Edgar Borges, o Blackout. Todavia, o sebista avisa que a produção de novas obras já volta nas próximas semanas, entre elas, o novo livro de Francisco Ivan (poeta, crítico literário, ex-Professor da UFRN), tratando do escritor argentino Jorge Luis Borges. Como se percebe, mesmo estando no vermelho nestes meses, o Sebo Vermelho em sua versão editora também volta à ação em breve.
ENDEREÇO: AVENIDA RIO BRANCO, CIDADE ALTA, PRÓXIMO AO IFRN CAMPUS CIDADE ALTA
Seburubu adquire acervo da Estante Virtual com obra de Cascudo "História das Velhas Figuras". Foto: Internet
SEBURUBU: VENDAS ON LINE, HISTÓRIA DO BRASIL E NOVAS AQUISIÇÕES
Um dos espaços culturais mais ativos na cidade (dezenas de shows, lançamentos e eventos por lá durante 2019 e começo de 2020), o Seburubu desativou suas vendas físicas e passou apenas a vender pela internet. Eduardo Vinicius, gerente do local, conta que já vendia muitos livros em sua versão virtual e se adaptou de vez à nova realidade: “Perder o espaço físico e vender apenas pela internet fez com que eu corresse atrás do prejuízo. Durante a pandemia, vendi muita literatura e livros de História do Brasil, além dos autores do Rio Grande do Norte. Muita gente também ligava para comprar tal livro e no final do dia eu mesmo saía para fazer a entrega”. O sebista ainda confirma que compras não pararam: “Adquiri várias obras para venda, inclusive uma rara coleção completa com os 10 exemplares do famoso ‘O livro das velhas figuras’, de Luís da Câmara Cascudo, coleção única no site da Estante Virtual, por exemplo”.
Vladimir da Silva negociou lote raro de discos de rock importados. | Foto: Alexandre Alves
LOKI DISCOS: VOLTA A ATIVA EM AGOSTO COM AQUISIÇÃO DE DISCOS RAROS DE ROCK
No mesmo espaço, funciona também a Loki Discos (ex-Vitrola Mágica), sebo especializado em discos de vinil e também com uma área seleta de CDs. Porém, ao contrário de Edu Vinicius, o sebista Vladimir da Silva possui parentes no grupo de risco e literalmente fechou em março, somente voltando à ativa agora em agosto. Mas nem por isso não há novidades: “Acabei de negociar um lote significativo de LPs de rock, vários deles raros e importados”. Programada para acontecer em abril de 2020 no espaço do Seburubu/Loki Discos, a 4ª edição da Feira Natalense do Disco (FENADISC) teve que ser cancelada quando a expectativa era encher o local de interessados no vinil e no compact disc. Mais um, entre milhares, de eventos cancelados na pandemia. Mas o espaço já está de volta ao horário comercial.
ENDEREÇO: AVENIDA DEODORO DA FONSECA, CIDADE ALTA (SENTIDO RIBEIRA)
Geraldo Carneiro diz que por ser do grupo de risco, vai manter vendas de vinis pela internet, via Mercado Livre | Foto: Alexandre Alves
SEBO TOCA-DISCOS: VENDAS PELA INTERNET PERMANECEM E LOJA FÍSICA SÓ REABRE EM 2021
Especializado em LPs e CDs, o experiente Geraldo Carneiro – funcionário público aposentado e que já teve loja de discos em Mossoró – pertence ao grupo de risco por ser sexagenário e fechou as portas de seu sebo que fica em uma das muitas galerias da Cidade Alta, bairro que concentra a maioria dos sebos na capital. Sendo assim, seu acervo de mais de 5.000 vinis e sabem-se lá quantos CDs (são milhares, a maioria de rock, MPB e música latino-americana) continuam parados dentro da loja. Até hoje!
Seu proprietário também avisa que, diante da situação atual, não tem perspectiva de abrir tão cedo: “Do jeito que está a pandemia, sem vacina e com pessoas desrespeitando o isolamento social – para aqueles que podem fazer isso – e andando nas ruas sem máscaras, só devo reabrir a loja somente em 2021”. Mas, e agora, como ele consegue manter a loja? Segue a resposta: “Eu já vendia bastante pela internet através do site do Mercado Livre. Então, tive que aumentar meu acervo e cadastrar novos produtos. E oposto ao que muitos pensam, vendo tanto vinil quanto CD, praticamente meio a meio”.
E assim seguem estes espaços de resistência cultural na cidade de Natal, tipicamente se virando como podem para manter viva um pouco da cultura, item tão necessário nestas horas de pandemia. Alguém ai deixou de ouvir música (nem que fosse via rádio ou internet) ou ler um livro (mesmo que fosse emprestado)? Resistir é difícil, mas é preciso.
ENDEREÇO: GALERIA ELDORADO, CIDADE ALTA, PRÓXIMO AO PRÉDIO DA PREFEITURA DE NATAL
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