Sérgio de Castro Pinto é poeta, escritor, jornalista e professor de literatura brasileira

Agenda Cultural

Sérgio de Castro Pinto: "Prefiro ser um leitor que escreve"

Expoente da literatura fala sua obra e anuncia lançamentos de “O Leitor de si mesmo” (nesta sexta) e “Brando fogo das palavras”

10 de março de 2023

Cefas Carvalho

Poeta, escritor, jornalista e professor de literatura brasileira, Sérgio de Castro Pinto nasceu em João Pessoa, onde mora, em 1947 e há tempos é um dos maiores expoentes da literatura paraibana, com alcance e reconhecimento nacional. É formado ainda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da UFPB. Tem participado de antologias poéticas publicadas em Portugal e Espanha e nos Estados Unidos, teve fragmentos do poema Camões/Lampião traduzidos por Fred Ellison, professor emérito da Universidade do Texas, incluídos na coletânea Camões' Feast. Participa de várias antologias, a exemplo de "Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século" e "Sincretismo: a Poesia da Geração de 60", organizadas, respectivamente, por José Nêumane Pinto e Pedro Lyra. Tem diversos prêmios literários de âmbito nacional, como o Guilherme de Almeida, promovido pela União Brasileira de Escritores, com "Zoo Imaginário" vencido para melhor livro de poesia lançado no ano de 2005. Foi também um dos finalistas do Concurso Casa de Las Américas, em 1990, no gênero poesia. Como jornalista, sob sua editoria , o suplemento "Correio das Artes" recebeu o prêmio Melhor Divulgação Cultural, em 1981, outorgado pela Associação Paulista de Críticos de Artes. Publicou diversos livros, como Gestos lúcidos (1967), A ilha na ostra (1970), Domicílio em trânsito e outros poemas (1983), Longe daqui, aqui mesmo : a poética de Mario Quintana (2000), Zôo imaginário (2005), A flor do gol (2014), O leitor que eu sou (2015) e Folha corrida (2017) entre outros. Nesta entrevista, ele fala sobre sua longa carreira e também sobre mercado editorial, cena literária paraibana, poesia engajada, livros novos a serem lançados e muito mais.

Além de poeta você é jornalista, formado em Ciências Jurídicas e Sociais e professor universitário de literatura brasileira da Universidade Federal da Paraíba. Como essa vivência acadêmica e exercer múltiplas atividades influenciou sua literatura e forma de ver o mundo?

Costumo dizer que não fiz o curso de Direito direito (risos). Fui um aluno relapso, dispersivo, substitua os massudos e maçantes livros de Direito Civil, Penal, Administrativo etc. pelos poemas de Manuel Bandeira, João Cabral, Augusto dos Anjos, Cecília Meireles e outros autores com os quais mantinha “afinidades eletivas”.

Já no Ginasial, resistia e não via necessidade de decorar, por exemplo, os afluentes das margens direita e esquerda do rio Amazonas, pois talvez já vislumbrasse “a terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, ou o mítico Capibaribe, de Bandeira e de Cabral, rios mais profundos, mais densos, caudalosos e perenes porque extraídos da cabeceira, da nascente da linguagem.

Enfim, o Direito, na minha vida, não passou de um acidente de percurso. Fui assessor jurídico da Delegacia do Serviço do Patrimônio da União, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, por um breve período de tempo. Posteriormente, ingressei na Universidade Federal da Paraíba, no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, onde pude, finalmente, viver a literatura em tempo integral e dedicação exclusiva.


Sua obra consiste de mais de dez livros de poesia ao longo de décadas. Percebe algum conceito o que os une? Como avalia sua produção poética com  olhar atual sobre este conjunto da obra?

Alguns autores renegam o seu livro de estreia. Quanto ao meu, “Gestos lúcidos”, que o lancei em 1967, com vinte anos de idade, não o renego, pois creio que ele representou o início de um processo, de um percurso que se cumpriu a cada livro. Aliás, a professora, crítica e ensaísta, Nelly Novaes Coelho, escrevendo sobre a minha poesia, no Suplemento Literário do Minas Gerais, observou: “Nos poemas de ‘Domicílio em trânsito..., correspondentes aos anos 70/80, reencontramos as mesmas linhas de força da poesia inicial, - o que mostra, em seu autor, um poeta que, ao surgir em livro, já estava senhor de seu projeto-de-mundo...”.

Creio que uma das características dos meus poemas é a concisão, embora, aqui e acolá, a exemplo do que ocorre em “Camões/Lampião”, em “O Gato e o poeta” e outros, eles sejam discursivos e até narrativos. Outra característica: a tentativa de aproximar coisas e seres aparentemente distantes, antípodas, através de uma espécie de “núpcias dos contrários”.

Você tem poesia nos prestigiados livros "Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século" e "Sincretismo: a Poesia da Geração de 60", organizadas, respectivamente, por José Nêumane Pinto e Pedro Lyra. Qual sua opinião sobre as coletâneas e antologias literárias? 

Em toda e qualquer antologia sempre falta um poeta ou um poema da nossa cabeceira. Até mesmo uma antologia pessoal, organizada pelo próprio autor, é de difícil execução. Eu mesmo, quando organizei “Folha corrida – poemas escolhidos (1967 – 2017) ”, fiquei em dúvida quanto aos poemas que devia incluir no livro. Às vezes, mais do que a qualidade do poema, pesa o momento em que o concebemos, fatores extraliterários, lembranças de uma época, de um período feliz etc.

Mas eu creio que as antologias e as coletâneas, sejam elas de poesia, de ficção, de ensaio etc., sempre divulgam os autores, tornando-os mais visíveis, sobretudo quando esses autores estão longe dos chamados grandes centros de irradiação da cultura, das editoras de maior porte...

Muita gente percebe uma imensa força na cena literária paraibana, com escritores sendo premiados e publicados por editoras nacionais e sempre destaque na mídia cultural. Qual o segredo, digamos, dessa vitalidade de escritores e escritoras da Paraíba?

É difícil responder. Entre os mais jovens, entre os que continuam com uma obra ainda em aberto, a Paraíba é forte na poesia. Mais recentemente, porém, surgiu uma nova safra de ficcionistas também jovens que respondem pelo que melhor se escreve no gênero na literatura brasileira.

Muitos dos que hoje são nomes já consolidados na Paraíba e fora dela, tiveram no “Correio das Artes” – um dos suplementos mais antigos em circulação no país, uma vez que foi criado em 1949 – o veículo através do qual publicaram os seus primeiros poemas, contos, ensaios, ilustrações etc. Daí eu acreditar que o “Correio das Artes” seja um dos principais responsáveis pela efervescência ou pelo estado de ebulição em que vivem as manifestações artísticas na Paraíba.

Como avalia a produção poética atual em tempos de internet e redes sociais?

A maioria dos poemas divulgados na Internet vão de encontro à sábia lição de T. S. Elliot: “(...) a poesia não é uma liberação da emoção, mas uma fuga da emoção; e não é uma expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade”. Conforme já escrevi num ensaio, alguns poetas, equivocadamente, soçobram num mero biografismo quando concluem que o poema deve espelhar a mais pura e lídima expressão da verdade, além de conservarem a primeira versão do poema como a definitiva, pois, reescrevê-lo significaria – segundo pensam – macular o que possuem de mais puro, orgânico e visceral: a espontaneidade. Mas, claro, às vezes me surpreendo com alguns bons poemas, contos, ensaios etc. divulgados nas redes sociais.

 A produção poética atual deixou de ser monocórdica, o que é bom e salutar, pois, anos atrás, o discurso tautológico das vanguardas, quando já exaurido e geralmente calcado na metalinguagem, inibia os ditames do eu profundo. Hoje, a poesia é mais livre, o poeta não mais escreve para obedecer um breviário estético, um conteúdo programático, embora, claro, não deseje aqui negar as conquistas do concretismo e seus desdobramentos, mas apenas observar que as vanguardas esgotaram o seu repertório.


Recentemente Mailson Furtado, cearense, venceu o Prêmio Jabuti de livro do ano com um livro artesanal. Outros escritores de estados nordestinos também vêm ganhando espaço nacionalmente. Acredita que pode estar havendo um "boom" literário nordestino a explodir nos próximos tempos?

Eu li apenas “en passant” alguns poemas de Mailson Furtado, não conheço o livro no seu aspecto artesanal. Mas, por falar em livro artesanal, tivemos, aqui na Paraíba, no início da década de 1960 até 1970, um grupo de poetas – ao qual eu pertenci – denominado Sanhauá. Pois bem, os livros do grupo eram essencialmente rústicos, artesanais, conforme observa Marcus Vinícius de Andrade, um dos integrantes do grupo, no prefácio à Antologia Sanhauá, Editora da UFPB, João Pessoa, Paraíba, 1979: “(...) o primeiro passo foi o rompimento da aura do livro enquanto-produto: assumimos plenamente a ideia do artesanato editorial, mimeografando os nossos poemas e publicando-os em volumes cujas capas eram de papel-de-embrulhar-carne, ilustradas com xilogravuras feitas pelo Pontes da Silva e pelo Raul Córdula. Assumimos, assim, a nossa pobreza, de forma integral, mostrando que a falta de recursos nunca iria servir como pretexto para continuarmos inéditos”.

Os autores de livros artesanais nem sempre se preocupam com o artesanato verbal. A chamada Geração Mimeógrafo, por exemplo, também editava livros de feição artesanal, mas, com relação aos poemas, à elaboração e à fatura dos poemas, a maioria era desleixada, negligente, exceção feita a Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, e alguns poucos, pouquíssimos poetas.

Você já venceu e foi finalista de prêmios literários importantes como o Guilherme de Almeida e o Casa de Las Américas. Qual sua opinião sobre os prêmios literários? Eles conseguem dar visibilidade à literatura e fazer os escritores serem mais lidos?

Às vezes, levados pelas circunstâncias, os jurados se equivocam e premiam livros datados, muitas vezes panfletários, vociferantes e até histéricos. A indignação dos poetas diante dos descalabros, por exemplo, do (des) governo anterior, nem sempre é boa conselheira, pois escrevendo o poema no calor da hora, no olho do furacão, geralmente ele esquece a sábia lição de Wordsworth: “A poesia é emoção recolhida na tranquilidade”.
 Tenho para mim que a maioria dos poemas ditos engajados privilegiam mais a carnadura da realidade do que a textura do poema. Infelizmente, no momento atual, há um excesso de poemas que se nutrem do dejà vu, das metáforas envelhecidas, das catacreses, de uma espécie de pout-pourri de tudo o que já se escreveu sobre a desigualdade social, sobre a discriminação racial, sobre a repressão etc. Tenho observado que alguns dos livros contemplados em concursos de poesia demonstram o equívoco não só dos poetas em termos de concepção da própria poesia como também, e sobretudo, dos jurados que escolhem os vencedores do conclave. Mesmo assim, vale a pena ser premiado e usufruir plenamente dos quinze segundos de fama.

Quais seus próximos projetos literários?
No dia 10 de março, sexta-feira, lanço “O Leitor de si mesmo”, livro com o qual pretendo encerrar uma tetralogia iniciada com “A Casa e seus arredores” ao qual acrescentei “O Leitor que eu sou” e “O Leitor que escreve”, títulos, aliás, que já dizem bem do quanto me considero mais um leitor do que um crítico. Talvez um ensaísta, mas prefiro ser considerado um leitor que escreve. Quanto ao título “O Leitor de si mesmo”, tomei-o emprestado de um trecho do romance “O Tempo redescoberto”, de Marcel Proust: “Na realidade, todo leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie de instrumento ótico oferecido ao leitor, a fim de lhe ser possível discernir o que, sem ela, não teria certamente visto a si mesmo”.

Já no final deste ano ou no início do próximo, desejo lançar “Brando fogo das palavras”, livro de poemas cujo título extraí do poema escrever/ não escrever, de “O Cerco da memória” (Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, 1993): escrever é um suicídio branco. / um consumir-se / no fogo brando das palavras. // não escrever, um suicídio em branco. / um consumar-se sem metáforas”.