Peça conta uma história real de forma não convencial por meio de imagens, música e dança.

Reportagens

'Sinapse Darwin': Teatro sensorial para celebrar a Ciência e a Arte

Espetáculo arrebata público com plasticidade visual, belas canções, solos de guitarra, uma lagarta que se metamorfoseia em borboleta gigante

20 de dezembro de 2021

Cefas Carvalho

Assisti "Sinapse Darwin" em uma noite de domingo de lua cheia, a última do ano. Na última sessão do espetáculo na temporada, que só retorna em 2022. Com a Praça do Gringos (como é conhecida em Natal a Praça Ecológica, em Ponta Negra) lotada, e as 500 cadeiras disponibilizadas pela produção, ocupadas. Casais, grupos de amigos, famílias, crianças, muitas crianças. Estas, já encantadas antes mesmo do início, posto que não tiravam os olhos do rosto humano formado por holofotes e material plástico, fixado no centro do palco, na parte superior, como se observando os presentes.

Quando o espetáculo começou, a magia se fez ver. Da mesma maneira que a encenação anterior do grupo Casa de Zoé, o maravilhoso "Meu Seridó", este "Sinapse Darwin" também se propõe a contar uma história de maneira não convencional. Mas aqui, a direção de César Ferrário optou por uma narrativa ainda mais radical. Através de canções e performances que gravitam entre a dança e movimentos aparentemente desconexos, uma história real vai sendo contada: a do pesquisador e naturalista inglês Charles Darwin (1809 - 1882), que ao publicar  em 1859 o livro "A Origem das Espécies", na qual sustentou a ideia que todos os seres vivos descendem de um ancestral em comum e propôs a teoria de que os ramos evolutivos são resultados de seleção natural e sexual, onde a luta pela sobrevivência  gera uma seleção natural e em alterações genéticas.

Tudo isso é narrado no espetáculo. Mas de uma maneira que absorvemos através da percepção, não do didatismo ou da consciência. Afinal. "Sinapse Darwin" é inteiramente contada através de canções (de idiomas diferentes, de gêneros distintos) com música ao vivo executada por um guitarrista e um baterista ao vivo e visíveis no palco, além de muitas vezes com ajuda do próprio elenco em outros instrumentos. A sucessão das canções a princípio parece nos mostrar algo desconexo, porém, como em um quebra cabeças, começa a ser lentamente montado em frente aos nossos olhos, uma vez que já capturados pela proposta e, mais que isso, pela plasticidade e beleza do conjunto.

Essa aposta do grupo era arriscada. Mas se mostrou bem sucedida. No início do espetáculo foi comum ouvir crianças e adolescentes perguntando aos pais o que era aquilo ou o que estava acontecendo. Da metade para o fim, ninguém mais perguntava nada, nem aos outros nem a si mesmos, e a tentativa de entender o que acontecia foi substituída pelo encantamento de perceber algo deslumbrante, como acontece diante de um filme de David Lynch e Glauber Rocha ou de uma tela de Pollock. A compreensão que vem depois do sentir. Esse o trunfo de "Sinapse Darwin".

Portanto, ao longo de uma hora assistimos a uma sequência ininterrupta de belas canções, solos de guitarra, uma lagarta que se metamorfoseia em uma borboleta e sai voando pelo palco, girafas, macacos espalhando papel picado pela plateia, um oceano, um navio, tudo compreensível. De maneira sensorial, não racional. Após o término da peça e os longos minutos de aplauso para o elenco e a equipe saímos do local tentando montar na mente (e na alma) o quebra cabeças proposto pelo espetáculo.

Além do texto e direção de César Ferrário e o elenco excepcional é necessário registrar a direção de arte de João Marcelino e a direção musical de Caio Padilha, fundamentais para obter o efeito desejado: Atrair o espectador para uma experiência intuitiva.

Recordo que durante a gênese e ensaios do projeto, a atriz Titina Medeiros disse  algo como  a necessidade de montar alguma coisa que falasse sobre ciência em tempos de negacionismo e Terra Plana.  A opção por Darwin levou o grupo a celebrar, portanto, a ciência através da arte. Que podem e devem se unir.