Clotilde Tavares volta às crônicas para abordar temas do cotidiano

Colunas

SOBRE O QUÊ?

“Sobre about” é este guarda-chuva semântico embaixo do qual cabe tudo, até a neblina etérea e impalpável dos dias sem inspiração e sem assunto

23 de março de 2022

Clotilde Tavares

Neste ano de 2022 eu completo 30 anos de presença nos jornais, sites e blogs, principalmente como cronista, entendendo-se por cronista aquele tipo de escritor que escreve textos curtos, de compreensão fácil, com linguagem simples, um leve toque de humor e o olhar atento sobre o cotidiano e a circunstância que envolve o escritor e seus contemporâneos. Escrevo também ficção, e ensaios, mas a prática da crônica já me rendeu três livros publicados com seleções dos textos mais lidos.

No início dos anos 1980, ninguém me conhecia como escritora. Eu já tinha publicado uns contos no extinto suplemento literário de A República, nos anos 1970, e em 1976 ganhei um concurso da Fundação José Augusto, também de contos, que resultou em uma publicação com os contos dos ganhadores: Cinco Contistas Potiguares, na qual junto comigo estavam Fernando Gurgel Pimenta, Francisco Sobreira Bezerra, Otacílio Lopes Cardoso e Rubens G. Nunes. Era o boom do conto brasileiro, com muitas publicações nesse gênero literário, e eu praticava com ardor, mas não encontrava espaço para publicação.

Quando foi em 1992, Marize Castro me convidou para escrever uma coluna semanal no extinto Jornal de Natal. Daí em diante, fui recebendo outros convites e ao longo de todos esses anos já escrevi na Tribuna do Norte, aos domingos, por quase dez anos; na Revista RN-Econômico, por quatro anos, uma coluna sobre internet, quando ninguém sabia direito o que era isso; na Revista da Telepesquisa; nos jornais Correio da Paraíba e A União, de João Pessoa; no Jornal de Hoje, de Natal; no site da Diginet; no Mossoroense; e em muitos mais outros lugares, de forma mais ou menos eventual, que eu posso me lembrar se puxar pela memória. Também passei quase um ano apresentando um bloco semanal no RN-TV 1ª edição, na TV Cabugi, que versava sobre temas que vez por outra eu tocava nas crônicas: auto-estima, motivação, comportamento. Além disso, alimentava dois ou três blogs e escrevia muito nas então listas de discussão postadas por email. E eu nem falei do Clotilde News, fanzine que mantive por dois anos tendo publicado 22 exemplares e da newsletter Umas & Outras, que durou bem uns dez anos, e era enviada semanalmente para um lista de uns 600-700 assinantes.

Era coisa muita. Ao lado disso, escrevia livros e peças, fazia teatro e mourejava nos departamentos universitários dando aulas, cursos e oficinas – e publicando trabalhos na minha área de conhecimento: saúde pública, nutrição e epidemiologia, tendo depois mudado para o teatro e a cultura popular. Parafraseando o poeta, parece que “eu era trezentas, era trezentas e cinquenta.”

Aí, quando chegou em 2010, mais ou menos, eu cansei, e parei praticamente com tudo, passando a escrever somente livros e peças de teatro. De 2010 até hoje foram oito livros – todos publicados - e seis peças de teatro – todas encenadas. Também nesses dez anos fiz outras coisas: filmes, narração profissional, ingressei de novo da UFRN em uma nova graduação, dei cursos, mantive os clubes de leitura e venho atravessando a pandemia – felizmente! – sem ter contraído a praga.

Revendo toda essa história, parece que já está de bom tamanho e que já produzi o suficiente para ficar cansada e parar de novo, quem sabe agora em definitivo. Recostada na poltrona, mirando o céu azul de Petrópolis ou aguardando a noite para contar os giros do Farol de Mãe Luiza como fazia diante de uma cerveja nos velhos tempos do Iara Bar, estava prestes a tomar a decisão de pendurar as sapatilhas e não fazer mais nada quando, de repente não mais que de repente, chega Cinthia Lopes e me desafia a voltar à crônica.

E aqui estou de volta. O título da coluna repete e homenageia o título da minha primeira coluna no distante ano de 1992, no Jornal de Natal. Uma brincadeira, uma blague, um deboche, “Sobre about” é este guarda-chuva semântico embaixo do qual cabe tudo, até a neblina etérea e impalpável dos dias sem inspiração e sem assunto que são o pesadelo do cronista. O “about” do título pretende vaguear pelos temas que ultimamente me são caros e constantes: o cotidiano sempre surpreendente, o envelhecimento, livros, filmes e séries, a cidade e o bairro em que habito, que percorro a esmo, procurando o espírito da noite, o terreno baldio, a nova Babilônia oculta entre as casas fechadas, janelas cegas, abandonadas no limbo dos inventários irresolvíveis.

Então, é sobre isso que vou escrever. Sobre about.

 


Contatos: http://linktr.ee/ClotildeTavares | clotilde.sc.tavares@gmail.com