Sonia Sant´Anna fala sobre trajetória e o livro que irá relançar este ano

Reportagens

Sonia Sant´Anna: "A História é tão fascinante quanto um romance"

Irmã dos autores Sérgio Sant'Anna e Ivan Sant´Anna, escritora é conhecida pelos romances históricos, além de revisora, copidesque e tradutora

29 de março de 2024

Cefas Carvalho

Nascida em 1938, Sonia Sant´Anna, escritora conhecida pelos romances históricos, revisora, copidesque e tradutora,  se define como "goiana por nascimento e raízes, mineira por adoção e carioca por paixão". 

Viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro e morou em Belo Horizonte, Brasília e também Londres e Washington. Iniciou o curso de Letras na PUC/RJ e se formou pela PUC/MG. Criada cercada de livros, com pai historiador, é irmã de dois conhecidos escritores, Sérgio Sant'Anna e Ivan Sant´Anna. Estreou na literatura aos 60 anos com um romance histórico para público juvenil, "Memórias de um bandeirante", premiado em concurso promovido pela União Brasileira de Escritores para autores inéditos, em 1997. Para público adulto, publicou mais três romances históricos: "Inconfidências mineiras – a vida privada na Inconfidência", "Barões e escravos do café – a vida privada no Vale do Paraíba" e "Leopoldina e Pedro I – a vida privada na corte". Retornando ao público adolescente, escreveu "Degredado em Santa Cruz", publicado pela Editora FTD em 2009. Escreveu o livro de contos "Rondó", que será relançado neste ano de 2024. Nesta entrevista ela falou sobre todos esses temas. Confira:


Como autora de elogiados romances históricos, como "Inconfidências mineiras – a vida privada na Inconfidência", "Barões e escravos do café – a vida privada no Vale do Paraíba" e "Leopoldina e Pedro I", considera que é seu gênero preferido? E como analisa a produção e a leitura de romances históricos em um país considerado sem memória, como o Brasil?

Lá pelos meus 10,13 anos, romances históricos de capa e espada, tipo "Os três mosqueteiros", "Robin Hood", "Ivanhoé" eram minha leitura preferida. E para conferir até que ponto eram reais os personagens desses livros que passei, ainda adolescente, a ler História propriamente dita. Sempre quis ser escritora, ia garatujando meus contos, mas, como narro em meu livro "Rondó", fui educada para ser acima de tudo dona de casa. Fui adiando o projeto, e meu irmão Sergio surgiu como um dos maiores nomes da literatura brasileira. Isso me intimidou. Então meu irmão Ivan me encomendou uma pesquisa para um livro que queria escrever sobre a História de Goiás. Surgiu um concurso da UBE, e, com o que Ivan não utilizou das pesquisas, escrevi um romance histórico que foi premiado e publicado, os demais foram acontecendo como consequência natural. E agradam bastante – afinal, História é fascinante como um romance, os currículos é que não enfatizam isso, e a História é detestada.

Você escreveu romances históricos para o público juvenil, como "Memórias de um bandeirante", que chegou a ser premiado em concurso promovido pela União Brasileira de Escritores para autores inéditos, em 1997. Como foi essa experiência e como avalia o atual leitor jovem em um mundo tão cheio de tecnologia?
 
Acho que esta pergunta já foi em parte respondida acima. Acrescento que Memórias de um bandeirante, o primeiro que escrevi, mas segundo a ser publicado, foi escrito para público juvenil, como pedia o concurso. Os demais não têm público específico, tanto podem ser lidos por adultos como por colegiais de segundo grau. "Degredado em Santa Cruz" (confesso que é o que mais gosto), foi aceito pela FTD e publicado como juvenil, que é o público específico dessa editora. "Leopoldina e Pedro I" interessa mais a um público adulto – e toca especialmente as mulheres, já que trata principalmente da mulher Leopoldina, que foi descrita por um contemporâneo seu como “a mais doce de todas as princesas e a mais desprezada das esposas”.

Nascida em Goiás, viveu parte de sua vida entre Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e também no exterior, como em Londres e Washington. Como esse nomadismo impactou sua visão de vida e da literatura?

Dos meus 86 anos de vida, seguramente uns 60 passei no Rio, com idas e vindas. Como eu disse certa vez para um jornalista, e repito até hoje pois me descreve muito bem, sou goiana por nascimento e raízes, mineira por adoção e carioca por paixão. Nasci em Goiás, estado ao qual, mesmo criada longe, sou emocionalmente muito ligada. Com 15 anos morei em Londres, onde papai fazia pós graduação na London School of Economics. Uma Europa de pós-guerra, parte ainda em escombros, ver Churchill discursando na Câmara dos Comuns, Lawrence Olivier e John Gielgud no palco, experiências inesquecíveis. Dos 20 aos 26 anos, residência em Belo Horizonte, marcante não só culturalmente, mas onde finquei amizades duradouras, casei, tive o primeiro filho, e para onde voltei há cinco anos e acho que não saio mais. Recém casada morei em Brasília, cidade ainda por terminar. Para Washington, fui acompanhando o então marido, nomeado para servir no BID – época fervilhante, da luta pelos direitos civis, manifestações contra a guerra do Vietnã. Meus pais viviam em Nova York para onde eu ia com frequência e assistia, nos basements do Village, os deuses do jazz. Claro que tudo isso faz parte de quem eu sou e do que penso – apontar como exatamente, impossível.

Vinda de uma família de autores, com um pai apaixonado por história e tendo como irmãos os escritores Sérgio Sant’Anna e Ivan Sant ́Anna, como esse cenário pessoal te marcou e marca, além de influenciar, hoje e no passado?

Em minha casa de infância, livros, livros, muitos livros, eu com minha própria estante, educação libertária quanto a ideias, mas repressora e conservadora quanto a formas de comportamento, principalmente no que se referia à única filha mulher. Parece sintomático que só depois da morte de pai e mãe eu tenha criado coragem para publicar meu primeiro livro. Sintomático também que só tenha vindo a publicar contos muito recentemente, depois da morte de Sergio (até então só romances históricos) – ficaria intimidada à ideia de ser lida por ele, um dos maiores contistas de sua geração.

Como percebe o papel da mulher atualmente na literatura brasileira e no mercado editorial. E existe machismo no universo literário?

Não é só no mercado literário que a mulher ficou em segundo plano até bem pouco tempo. Eram raras as médicas, as engenheiras, as cientistas – mulher só como professora ou secretária (na classe média, é claro, as pobres trabalhavam duro). No entanto, lá atrás, quando ainda eram raras as mulheres escritoras, entre elas estava Maria José Dupré, prima em primeiro grau de minha avó paterna. Temos hoje ótimas escritoras. Não escolho minhas leituras segundo o gênero, mas entre minhas leituras mais recentes creio que mais da metade são de autoria feminina.

Qual sua opinião sobre redes sociais? Mais ajudam ou atrapalham quem escreve literatura?
 
Acho que depende do uso que cada um faz delas. Eu adoro. Tenho uma rede vasta de “amigos”, converso sobre todo tipo de assunto, “conheço” gente da qual eu dificilmente teria a chance de me aproximar, participo de discussões, troca de ideias. Durante a pandemia participei de saraus literários online. E me divirto também – como na vida real, há momentos para tudo.

Qual sua opinião sobre prêmios literários?

Prêmios são ótimos para incentivar a escrita e muitas vezes são a porta de entrada para novos autores. No entanto, não os vejo como algo definitivo – não acredito que exista “o melhor” conto/novela/romance do ano. Para mim funcionam como um indicativo de que ali está uma obra de valor.

Tem projetos para 2024 que pensa em colocar no mundo? Originais na gaveta? O que podemos esperar da escritora Sonia Sant´Anna neste ano?

Em 2024 deve ser republicado pela martelo casa editorial (https://www.oio21.com/) meu livro "Rondó" (16 contos e uma novela autobiográfica), inicialmente publicado pela Penalux. Mesmo com uma resenha lisonjeira de Antônio Torres, a recomendação de Laurentino Gomes e a aprovação de Maria Valéria Rezende, o livro passou despercebido. Como todo autor, eu quero ser lida e fico muito contente por ver novamente disponível a minha estreia no conto, ainda mais por uma editora goiana, reconhecida pelo extremo bom gosto de suas publicações. Na gaveta tenho dois romances históricos, um sobre Luiz Gama, outro sobre um episódio pouco conhecido do público, o sequestro da cidade do Rio de Janeiro pelo corsário Duguay-Trouin, direcionados ao público juvenil. O mais são contos esparsos, à espera de completar mais um livro. Leio, faço revisão de texto, essa minha vida de escritora/leitora. Para finalizar, agradeço esta oportunidade de contar um pouco da minha vida, falar de coisas que vi e vivi.