Autora já escreveu sobre temas como Guerra do Paraguai, a trajetória do Visconde de Taunay
Reportagens
Nascida em Mato Grosso do Sul, Raquel Naveira escreve sobre a geografia do lugar, os costumes, as fazendas e os vultos do passado
30 de março de 2025
Cefas Carvalho
Nascida em Campo Grande, em 1957, Raquel Naveira é considerada, pelo trabalho desenvolvido e publicado ao longo de décadas, como um dos maiores nomes da literatura do Mato Grosso do Sul. Formada em Direito e Letras pela FUCMT, atual Universidade Católica Dom Bosco, onde exerceu o magistério (Literatura Portuguesa e Literatura Latina), é mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, doutora em Literatura Portuguesa na USP e doutora em Língua e Literatura Francesas pela Universidade de Nancy, França. Escreveu e publicou vários livros, entre eles: “Abadia” (poemas, editora Imago,1996) e “Casa de tecla” (poemas, editora Escrituras, 1999), indicados ao Prêmio Jabuti.
Escreveu ainda o infanto-juvenil, “pele de jambo” e, unindo história e poesia, publicou os romanceiros “Guerra entre irmãos” (poemas inspirados na Guerra do Paraguai) e “Caraguatá” (poemas inspirados na Guerra do Contestado), que se transformou no curta-metragem “cobrindo o céu de sombra”, monólogo com a atriz Christiane Tricerri, sob a direção de Célio Grandes. Também publicou “Portão de ferro” (Escrituras, 2006); “Literatura e drogas – e outros ensaios” (Nova Razão Cultural, 2007); “Guto e os bichinhos” – 2012; “Sangue Português” – 2012; “Álbuns de Lusitânia” – 2012; “Mundo guarani” (2023), entre outros. Lançou o CD Fiandeiras do Pantanal, onde declama seus poemas, acompanhada pela voz e a craviola da cantora Tetê Espíndola.
A obra de Raquel Naveira já foi reconhecida e apreciada por escritores e críticos como Fábio Lucas, Lygia Fagundes Telles, Nelly Novaes Coelho, Antônio Houaiss, Lêdo Ivo e outros. No programa literário “Prosa e verso” entrevistou Adélia Prado, Zuenir Ventura e Ignácio de Loyola Brandão. Profere palestras e faz leituras de seus poemas por todo o país e ocupa a cadeira número 8 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
Você é sul-mato-grossense e escreve de maneira apaixonada, visceral e também didática sobre seu estado e sua geografia, história e costumes. Como essa ligação com a terra onde nasceu afeta sua vida e literatura e como avalia suas obras sobre o tema?
Quando nasci, Mato Grosso era um só Estado. Depois aconteceu a divisão em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Guardo essas lembranças, essa história, essa revolução. Sou apaixonada pelo Pantanal, pelas ricas flora e fauna, pela gente pantaneira. O pantaneiro é silencioso, meditativo e, de repente, surpreendente e irônico nas suas expressões. Escrevo sobre a geografia do lugar com seus rios e montanhas, sobre os costumes, as fazendas, a culinária, o boi, o indígena, os vultos do passado. Foi assim que surgiu o livro “Mundo Guarani”. Sou uma espécie de historiadora registrando temas como a Guerra do Paraguai, a trajetória do Visconde de Taunay, os escritores que vivenciaram os mistérios, grandezas e mazelas desta região de cerrado tropical. Alma de fronteira, trânsito desde a infância entre o Brasil, Bolívia, Paraguai e as grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Enfim, uma cidadã do mundo com raízes, olhos e asas a partir da minha terra, o sul de Mato Grosso.
Você escreve para várias revistas e jornais de diversos estados. Como é para a escritora esse exercício de concisão, prazos e espaço limitado?
Publico em vários jornais e blogs semanalmente. Tenho sede de comunicação. A Literatura é uma arte que está dentro do esquema de comunicação apresentado pelo pensador russo Jakobson: emissor (escritor)-mensagem (o texto, o canal, o código)-receptor (leitor). É muito bom receber o feedback, dialogar com o público. A necessidade de escrever sempre é fundamental para nos manter afiados, atentos, vivos, alimentados pelas leituras e pelo poder de cada palavra.
Formou-se em Direito e Letras e atua como professora. Como essas profissões afetaram e afetam a sua visão de mundo e sua literatura?
Poesia e Magistério são duas vocações unidas, interligadas, nascidas na área mágica do silêncio e da solidão, onde os livros se abrem e deixam sair suas realidades e seus sonhos. O interesse pelos livros (e fui uma leitora voraz quando criança e jovem) se transformou numa vocação de magistério. As aulas de Literatura Brasileira, Francesa, Portuguesa, Latina, Africana abriram horizontes, trabalharam meu senso estético. A eterna busca do conteúdo (ideia), forma (palavra poética) e emoção porque ” não basta que os poemas sejam belos: força é que sejam emocionantes e que transportem, para onde quiserem, o espírito do leitor”. Assim nos explicou Horácio, em sua Arte Poética. O Direito me deu o senso de justiça e um rigor no pensamento.
Você escreveu e publicou livros de gêneros diversos, como poesia, romance, literatura infanto-juvenil, crônica e ensaios. Qual o segredo para não se perder nessa multiplicidade de temas? E qual o gênero que prefere ou se sente mais à vontade para escrever?
O meu gênero preferido é a Poesia, pois, mesmo quando escrevo em prosa, não abro mão da poesia. O meu romance “Álbuns da Lusitânia” é bastante autobiográfico. Fotografias de antigos álbuns que trazem à memória pessoas e fatos do passado. A literatura infanto-juvenil, em títulos como “Pele de Jambo”, “Guto e os Bichinhos”, “Nino e a Orca”, “Dora: a menina escritora”, baseia-se sempre na menina que fui ou numa criança em especial à qual me dirijo. As crônicas, que nem sei se deveriam ser chamadas de crônicas, estão sempre nos limites, nos extremos: quase virando poesia, quase se tornando contos ou ensaios, quase dramas. Cada ideia já vem na sua forma, no seu fundamento, no seu pilar. É algo espontâneo e orgânico para mim.
Unindo história e poesia, você publicou os romanceiros "Guerra entre irmãos" (poemas inspirados na Guerra do Paraguai) e "Caraguatá" (poemas inspirados na Guerra do Contestado). Como faz para misturar arte e conhecimento histórico e como isso pode ser útil para estudantes e para a identidade de um povo?
Amo o épico, o romanceiro, a mistura de Poesia e História. Pesquiso os fatos históricos e imagino os sentimentos das personagens. Para “fingir a dor que deveras sinto” como explicou Fernando Pessoa, componho monólogos colocando-me na pele da personagem, dando-lhe voz, penetrando no seu interior. Os romanceiros trazem a História com emoção, levam a um estado afetivo que desenvolve saber com sabor. São perfeitos para os estudantes, para os projetos interdisciplinares.
Há algum tempo lançou o CD "Fiandeiras do Pantanal", onde declama seus poemas, acompanhada pela voz e instrumentação da conhecida cantora Tetê Espíndola. Como foi esse processo?
Tetê Espíndola é também sul-mato-grossense, tem pássaros na garganta, voz aguda de cristal, que reverbera nas grutas e abismos. Foi lindo gravar esse CD: os poemas, as músicas instrumentais especialmente compostas para esse trabalho, a junção de música e letra nos poemas “Fiandeira” e “Relógio da 14”, que se tornaram icônicos da minha trajetória poética e da identidade de nosso Estado. Um processo que solidificou nossa parceria artística para sempre.
Como avalia o cenário literário sul-mato-grossense atualmente?
Efervescente. Muitos poetas e escritores, livros publicados, projetos culturais de leituras e conversas sobre literatura, diálogo entre diferentes gerações. Todos buscando um lugar na galáxia da comunicação poética.
Qual sua opinião sobre o intercâmbio literário (tanto entre escritores/as como entre leitores/as) entre as regiões do país? No Centro Oeste se lê o que se publica no Nordeste e vice-versa?
A tecnologia, as lives, as redes sociais facilitam e permitem essa troca entre os escritores das diversas regiões do Brasil, esse país de dimensões continentais. E também o contato com escritores de outros países. Estou sempre na Academia das Ciências de Lisboa. A partir da pandemia, essa comunicação cresceu. Estamos todos hoje no mesmo lugar. Caíram barreiras. Cabe a cada um a intensidade e a frequência dessas trocas, desse intercâmbio literário. Gosto de participar de Feiras, Bienais, encontros em Academias, enfim, de estar entre os meus pares, meus colegas de ofício.
Você faz parte da Academia Sul-mato-grossense de Letras, além de outras associações de escritores, como o PEN Clube do Brasil. Qual a importância dessas coletividades de literatos?
Muito importante essa participação em associações, academias, clubes de leituras. Somos motivados a continuar na trilha da literatura, fazemos amigos, conversamos e interagimos com pessoas que têm os mesmos ideais.
Quais os seus projetos literários para 2025?
Seguir em frente. Publicar novos textos e livros. Um que já está no prelo. Escrever e pesquisar muito. Viver lindamente o meu sonho, o meu desejo de ser e de fazer literatura.
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