Victor H. Azevedo

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" Tenho um fascínio por autores obscuros, esquecidos, desconhecidos", diz autor de "JBG"

O jovem poeta contemporâneo Victor H. Azevedo dialoga em sua nova obra com a poesia moderna de José Bezerra Gomes

27 de julho de 2021

Por Redação

Jovem representante da literatura potiguar contemporânea, o natalense Victor H. Azevedo enveredou pelo campo da ficção com seu “Nossa Senhora dos Alagados”, mas já havia publicado sua poesia antes em “Cachorro morto” (2017) e neste ano com “Correspondência invertebrada”. Em mais uma investida, desta vez ele se lança na procura de um diálogo com a poesia – ainda pouco conhecida – do poeta moderno local José Bezerra Gomes (1911-1982).

O poeta currais-novense José Bezerra Gomes é um dos muitos ilustres desconhecidos da lírica moderna potiguar. Mais conhecido por seu romance “Os brutos” (1938), ligado ao regionalismo da década de 1930, sua poesia continua pouco conhecida e estudada, tendo apenas um volume lançado na década de 1970 e relançado recentemente pela editora do Sebo Vermelho.

Nesta curta entrevista por e-mail, Victor H. Azevedo tenta explicar esta ideia de ir buscar José Bezerra Gomes como mote e transformar isto em poesia no livro “JBG”.

Como chegou e qual o motivo de escrever um livro sobre o ainda obscuro José Bezerra Gomes?

 Tenho um fascínio por autores obscuros, esquecidos, desconhecidos. A Munganga Edições surgiu justamente desse fascínio, pois eu tinha o costume louco de zanzar pela internet em busca de autores em domínio público, e que ninguém do Brasil falasse deles, e acabava que uma parcela desses autores tinha um material criativo muito interessante, o que foi me motivando a traduzir seus textos e pensar em formas de publicá-los por aqui. Enfim, eu, quando comecei a pesquisar sobre literatura potiguar, já tinha ouvido falar do José Bezerra Gomes prosador, do autor de Os Brutos e Por Que Não Se Casa, Doutor?, mas esses títulos nunca me chamaram a atenção, nem as sinopses que me davam deles. Foi quando peguei um trabalho de digitalizar sua Antologia Poética que tive um contato real com seu texto. A princípio, confesso, achei ridículo aqueles poemas minúsculos — alguns com um verso, outros com uma palavra só! Disseram-me depois que ele tinha um estilo poético “oswaldiano”, mas era algo que estava atrasado umas boas décadas, se compararmos com a publicação das obras de Oswald de Andrade. Não me conformei. Fiquei pensando “deve haver algo mais na história desse homem, algo de sua vida que explique o porquê de sua obra ser assim”. Fui remoendo, fermentando essa ideia, até que chegou em minhas mãos o livro do Leonardo Villa-Forte, Escrever Sem Escrever: Literatura e Apropriação no Século XXI, com ele falando sobre poetas e escritores que fazem uso do remix, do mashup textual, para escrever coisas novas a partir de coisas já escritas. Pensei “Tá aí, vou pesquisar em jornais notícias sobre José Bezerra Gomes, compilá-las e depois reestruturá-las, numa espécie de livro de recortes de jornais, e ver o que isso me mostra sobre sua vida. O resultado foi JBG.

O que você percebe de moderno em José Bezerra Gomes, autor que pode se unir aos chamados neorrealistas da década de 1930 na prosa?

 Bezerra era um autor dos mais criativos, mas ele tinha um problema com fôlego. Veja, por exemplo, Os Brutos: é um livro curtíssimo.  Se formos pensar no seu volume de páginas, seria mais uma novela do que um romance. E mesmo assim, seu autor o anunciava como um romance. O que há possivelmente de moderno em Bezerra é algo que nem mesmo ele aparentava entender.

Quando leio Os Brutos, eu não leio como um romance nem como uma novela, mas como um apanhado de ficções, de episódios interioranos. Os capítulos são curtos e retratam vidas pequenas, num estilo quase fotográfico que, romanescamente falando, são fracas, sem sustância — e ouso até dizer que há de se fazer uma revisão séria sobre sua obra num contexto neorrealista, do romance de 30 —, mas que vistas por uma lente lírica, são das coisas mais jeitosas que se pode ler por essas bandas.

 

Como pesquisador sobre a poesia de Gomes, o que encontrou de novo nesse trabalho de detetive literário? Poderia comentar por que ela ficou escondida tanto tempo? E o crítico Moacy Cirne dizia que alguns textos seriam das décadas de 1930  e 1940, mas o único livro dele de poesia somente saiu na década de 1970.

Encontrei uma série de acontecimentos que não são falados abertamente sobre ele. Como por exemplo sua candidatura a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, onde concorreu, e perdeu, com Guimarães Rosa. Foi compilando uma série de efemérides como essa que eu consegui entender melhor o autor José Bezerra Gomes, assim entendendo melhor a obra dele, sanando um pouco aquela primeira dúvida que me serviu de combustível.

Quanto a isso de Cirne, realmente, durante esse período de 1930-1940 encontram-se bem mais textos autorais de Bezerra em jornais. Depois disso, há uma escassez, possivelmente resultado de transtornos mentais que, de novo, só fui tomar conhecimento por conta da pesquisa. No final de sua vida, ele até tenta voltar a escrever, a publicar, mas por conta de sua obsessão pela concisão — o que o fazia revisar, retalhar seus poemas já no processo de impressão dos livros na gráfica — foram poucas as coisas que chegaram a ver a luz da publicação de fato. Mas é bem provável que existam poemas dele ainda inéditos em livro por aí.

 

Você remixa textos de Gomes para criar uma poesia autoral. Em algum ponto, a sua escrita se assemelha a dele?

 Talvez tematicamente, no aspecto da infância, da memória. Muitos dos poemas de Bezerra são sobre seu tempo no sítio, sobre seus avós, sobre pássaros. E essa temática de memória me é muito cara, porque é justamente de memórias que nos construímos.

E eu tenho parte no Seridó, tal qual Bezerra, pois meu pai veio de Parelhas, e minha mãe de Jardim do Seridó, e quando chegavam as férias eu ia para o sítio dos meus avós maternos, brincava com baladeira por lá, etc.

 

No painel da poesia poti traçado/apontado por autores como Tarcísio Gurgel, Humberto Hermenegildo, Nelson Patriota ou Alexandre Alves, onde se encaixa a poesia de Gomes? De que forma ele é citado? e se você concorda...

 Quando falam da prosa, dizem que Gomes é um escritor regionalista, inserido no romance de 1930. Na poesia, dizem ser um modernista tardio, discípulo de Oswald de Andrade.

Da prosa, creio que o pano de fundo pode até ser o provinciano, mas o modo de se contar as histórias é um tanto diferente do do romance de 1930, o regionalismo, etc. Em seu primeiro, e principalmente em seu último livro de prosa, A Porta e O Vento, percebe-se uma narrativa comezinha, mas lírica. Há um artigo de José Américo Miranda, inclusive, que fala sobre esse aspecto do “romance [que] quer ser poema”. E falando necessariamente de sua poesia, creio que, se não fossem os transtornos mentais, Bezerra teria sido um dos primeiros modernistas do Rio Grande do Norte, junto de Jorge Fernandes. Há alguns poemas seus publicados entre 1940-1950 que provam isso. E infelizmente, só temos a publicação de sua Antologia Poética, quando falamos de sua poesia. Fica a vontade de, futuramente, fazer uma pesquisa no espólio de José Bezerra Gomes e publicar sua obra poética completa, ou quem sabe uma nova antologia.