Existem comidas chamadas afetivas, que nos remetem às referências familiares. Dizer que fazem mal é
É Típico!
Professor explica que a comida é mais do que nutrientes e que alimentação saudável é relativa e subjetiva
11 de julho de 2021
Você já ouviu falar na expressão “terrorismo nutricional”? Relativamente novo, o termo é usado para definir e criticar uma perspectiva que divide alimentos entre “bons” - considerados saudáveis, e “maus” - que trazem implicações negativas para a saúde. O nutricionista e professor da Estácio, Helry Costa, explica por que essa visão pode ser prejudicial para a relação do indivíduo com o processo alimentar.
“A partir do momento em que existe essa divisão dualista, começa a existir um discurso simplista e problemático em que se passa a condenar alimentos e práticas como se fossem os únicos responsáveis pelo adoecimento da população”, aponta o especialista.
O profissional destaca que uma alimentação saudável é muito subjetiva e varia de sujeito para sujeito: “Vamos supor que alguém com diabetes faça o exame de glicemia e tenha um resultado extremamente alterado. Se partirmos apenas da perspectiva reducionista de que frutas, legumes e verduras são saudáveis, será que para esse paciente com a diabetes descompensada seria interessante consumir uma fruta de alto índice glicêmico como uva ou melancia? Esse questionamento é necessário para entendermos que não existe padrão de alimentação saudável, existem padrões para determinados indivíduos”, diz.
Indo além, o nutricionista afirma que o processo alimentar não deve estar restrito apenas à sua composição, mas relacionado com o ambiente familiar, com o estado psicológico e se a pessoa tem disponibilidade de consumir alimentos in natura ou pouco processados, como é recomendado pelo Guia Alimentar da População Brasileira.
“Existe, claro, a orientação de consumir menos ultraprocessados, porque impacta positivamente na saúde coletiva, mas não podemos afirmar que determinado item vai fazer bem para todos, porque o alimento foge do dualismo bem e mal: nenhum é apenas bom ou mau. Quando ampliamos esse olhar, o relacionamento que temos com a comida muda”, diz.
Com essa visão dualista, muitas vezes são aplicadas dietas restritivas como a que em um dia da semana é liberado o consumo de itens mais calóricos, o “dia do lixo”. Sobre essa prática, o nutricionista comenta: “É necessário ter uma boa relação com a alimentação cotidianamente. Quando eu coloco um dia do lixo, parece que vivo em uma prisão e tem um dia de liberdade de uma dieta que não faz sentido. É preciso ressignificar a relação com a alimentação, e isso acontece com a introdução de novos alimentos e impondo limites ao que não é limitado, como comer doces todos os dias, por exemplo, para que não se torne um hábito prejudicial”, opina.
Helry lembra que há ingredientes que fazem parte do contexto cultural e histórico que tem passado por um processo de adaptação a partir desse “terrorismo”. Um deles é o açúcar, que faz parte da tradição culinária do Brasil, e que hoje tem sido substituído pelo adoçante. “É óbvio que o consumo de açúcares em excesso pode causar uma série de adoecimentos, mas entre acreditar que há um alimento vilão e outro mocinho, existe algo que deve ser ensinado à população”, aponta o especialista, fazendo menção a aspectos sociais, econômicos e emocionais.
“Existem comidas chamadas afetivas, que nos remetem às referências familiares, e trazem um acalanto pro coração. Então, dizer que esse alimento faz mal é muito cruel, porque às vezes a pessoa precisa desse alento emocional. O problema acontece quando tentamos transferir para a alimentação esse conforto o tempo todo, aí se torna necessária uma autocrítica e entendermos quando precisamos do consumo e quando devemos parar”, expõe Helry.
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