Capa do único álbum do General Junkie, lançado em 2002 com o selo Dosol
Reportagens
Como uma minicrônica, “Típico local”, a letra da lendária banda General Junkie, repousa um retrato entre o humor e a crítica social
11 de julho de 2020
Por Cinthia Lopes e Alexandre Alves
Quase uma minicrônica, “Típico local”, a letra da lendária banda General Junkie que inspira este sitio cultural, repousa um retrato entre o humor e a crítica social do “comedor de camarão” – ou seja, a própria etimologia do vocábulo “potiguar” –, talvez algum habitante anônimo entre as ruas da Ribeira, o point cultural natalense entre meados dos anos 90 até por volta de 2010. Esquecido pelo capital no litoral da capital, o “camará” – provável corruptela de “camarada” – perambula pelas ruas em busca do próximo passo da sobrevivência na cidade abraçada pelo rei sol: “um típico local / de pele queimada / pelo sol e pelo sal / [...] / puxa uma rede / toma uma cana / [...] / nem lembra que mora / num tremendo visual”.
No vocal desleixado de Gustavo Lamartine, guitarrista e autor da composição, um canto a plenos pulmões entre a estranheza e uma percepção sobre o menos favorecido: “Pega os camarão (camará) / trata os camarão (camará) / come os camarão (camará)”.
Lançado em 2002, o único disco do grupo General Junkie (selo Dosol) tem entre suas composições o hit subterrâneo, cujo aspecto sonoro ecoa uma miscelânea entre guitarras com wah-wah, uma gorda linha de baixo e uma batida à la mangue beat (mas sem as percussões).
Marcelo Costa, Gustavo Lamartine e Paulo Souto: A formação que registrou o CD General Junkie (2002). Foto:Renato de Melo Medeiros
Para quem nunca os viu ao vivo e tenha ficado a lenda, mudou bastante seu som ao longo da existência, indo do quase indie rock do início ainda nos anos de 1980 de canções como “Vida vegetal” – quando ainda se chamavam General Lee – até o repentebilly de “O nortista” em meados dos anos 90. Fizeram centenas de apresentações pela cidade e vários festivais ao longo de mais de duas décadas de atividades ininterruptas. Foi uma das primeiras bandas do RN a se apresentar no festival Abril pro Rock, quando este era o mais relevante entre os festivais brasileiros.
Dos primórdios como General Lee, de 1987, formavam o grupo o vocalista Gil Dantas, filho doa cantora Odaíres e do compositor Mirabô Dantas, Ângelo, Lula e Gustavo Lamartine.
Como curiosidade, um dos pioneiros do mangue beat, os olindenses do Eddie, chegaram a gravar a canção “O amargo”, do General Junkie, no disco “Original Olinda style” (de 2003 e relançado em vinil em 2019). O trio potiguar também teve antes esta mesma canção registrada na coletânea em CD “Brasil Compacto” (1996), lançada pelo selo Rock It!, de Dado Villa-Lobos (Legião Urbana). Entretanto, como outros típicos locais, o som não se propagou como deveria, mesmo com vários outros under hits debaixo do braço (entre outros, “Mete bronca”, “Brinquedo do cão”, “Quem matou Brigite?”, “O nortista”), que acabaram quase todos sendo registrados no único álbum da banda, na época com formação Gustavo Lamartine nos vocais e guitarra, Paulo Souto no baixo e Marcelo Costa na bateria, substituindo Lula da primeira formação.
Gustavo Lamartine, Lula e Paulo Souto: a formação como General Junkie. Foto: Henrique José
E se a vida é a arte do encontro, como disse o Poetinha, não é por acaso a escolha deste Típico...
Vamos rebobinar a fita até final de 1993, quando um grupo de artistas potiguares cria um movimento musical inspirado pelo Manguebeat, o Movimento da Ema. O General e seu repentebilly dava as caras nas folhas nacionais, estampado na capa do então prestigiado Caderno B do Jornal do Brasil. Por aqui, nascia o primeiro “Segundo Caderno” dedicado à produção cultural que se organizava como mercado. Bandas icônicas surgiram naquela época, além do General, Florbela Espanca, Movement, Alfândega, Discarga Violenta. A história delas e de outra imensidão de bandas que despontaram na transição entre as “fitas demo” e os CD’s formam uma espécie de marco zero do encontro entre os dois redatores acima, então a repórter estreando no jornalismo cultural e do produtor musical e criador do selo Solaris Records.
Oficialmente, o General Junkie nunca decretou o fim, mas 66% do trio criou o DuSouto e esqueceu o General Junkie, cujo último show (por enquanto) ocorreu no Festival Under The Sun, em 2016. Mas, para você, leitor: quem seria o típico local?
*Quem nunca viu o General Junkie ao vivo, segue apresentação de 2011. “Típico local” é a primeira.
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