Fotos com crianças indígenas do Katu deu origem ao premiado documentário. Foto: Rodrigo Sena

Reportagens

“Tradicional Família Brasileira Katu" é exibido em Sagi

Premiado filme de Rodrigo Sena participa de mostra na região onde está a comunidade de sagitrabanda, que ainda batalha para se tornar reserva

20 de janeiro de 2021

Por Típico Local, com  informações do jornalista Carlos Rubens Araújo

Após exibição no prestigiado 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro , o curta-metragem “Tradicional Família Brasileira – Katu” está de volta à tela local para uma exibição especial. O documentário do diretor e fotógrafo Rodrigo Sena foi incluído na mostra do Centro Cultural Casa de Taipa, dia 24 de janeiro, às 19h, na praia de Sagi, distrito de Baía Formosa. Numa área cuja comunidade Sagi-Trabanda, do Sagi, batalha para se tornar uma reserva oficializada pela Funai e com vida própria. Uma história que busca eco na outra.

Rodrigo Sena tem se destacado por produções que conectam o Rio Grande do Norte aos temas de interesse mundial, como as questões étnicas. “A Tradicional Família Brasileira – Katu” é um exemplo de visibilidade que seu trabalho conquistou. O filme marcou presença em 22 festivais de relevância e foi premiado em alguns, como o Melhor Documentário no 11th Annual Fist Up Filme Festival, nos EUA.  A lista  é longa: 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes MG, 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Festival Intima Lente Itália, Festival de Cinema de Fiorenzo Serra Itália, Visões Periféricas RJ.

O filme de 2019 acompanha uma história que começou em 2007, quando o fotógrafo produziu, para uma reportagem de jornal, um ensaio fotográfico em reconhecimento aos povos originários Potiguaras, retratando doze adolescentes pertencentes ao Eleutério do Katu, RN. Doze anos depois o fotógrafo volta ao Katu em busca desses protagonistas, hoje já adultos, para saber sobre suas trajetórias pessoais e suas visões de mundo.

 

O diretor e fotógrafo Rodrigo Sena destaca a relação de irmandade entre os povos. E Luiz Catu, cacique retratado no documentário Tradicional Família Brasileira

Para Rodrigo Sena, a exibição em Sagi é importante por reforçar a essência de irmandade entre os povos tradicionais, no qual todos os indígenas se consideram como uma nação só, pelo menos na afirmação da identidade e busca dos direitos de viver e sobreviver. Alí, todos são parentes. “Muitas vezes, os indígenas se referem a outras etnias indígenas como meu parente. Exemplo, meu parente da Amazônia”, explica o cineasta.

Essa consanguinidade, esse espírito de irmandade e, principalmente a ancestralidade, são algumas das peças chaves do filme “KATU”, que lança luzes sobre a comunidade localizada nos vizinhos municípios de Canguaretama e Goianinha, com cerca de 226 famílias de etnia potiguara que vivem da agricultura. “Os indígenas já estavam aqui antes de tudo acontecer. Esses sim trazem tradição e são os verdadeiros donos da terra”, afirma o diretor de cinema potiguar. Rodrigo Sena já havia entrado em contato com aquela comunidade em 2007, 13 anos antes do lançamento do curta. Naquele ano fotografou crianças que faziam aula de tupi-guarani na escola indígena local.

As fotografias foram o ponto de partida para o desenvolvimento de “A Família Tradicional Brasileira-KATU”, como explicita Sena: “Depois de 10 anos eu voltei lá querendo reencontrar os fotografados, hoje já adultos. Através de suas próprias fotografias e do reencontro, procurei saber como andava a identidade indígena e a relação com o meio ambiente da comunidade Catu”. Era a arte da fotografia estimulando a arte do cinema e o sentimento de pertencimento daqueles indígenas a um grupo e raça brasileiros e os percalços que haviam por trás disso.

Gerar questionamentos é, na visão de Sena, um dos grandes papéis do cinema documentário. “Falamos da nossa identidade, fortalecemos a auto estima através dos filmes, com nosso sotaque e nosso jeito. Acho que a importância dos curtas é provocar as pessoas, além de proporcionar reflexão”, defende. Luiz Katu, líder indígena daquela comunidade, reforça esse pensamento: “Esse documentário contribui para a quebra da invisibilidade, de estereótipos e para desmistificar muitas informações sobre os povos indígenas, principalmente no Rio Grande do Norte.

De acordo com o cacique de Catu, uma das grandes referências de liderança indígenas do RN, o curta de Rodrigo Sena ajuda a colocar alguns pontos nos “is e, aqui, “i” de índio potiguar: “No caso das aldeias indígenas do estado do Rio Grande do Norte, até duas décadas atrás se contava como extintas. Hoje temos vários trabalhos acadêmicos mostrando esses povos indígenas existindo e resistindo”. Existindo e revelando força e identidade. “Para um estado que negava a existência de indígenas, ter uma comunidade com uma primeira escola indígena, reconhecido pelo MEC, e professores indígenas trabalhando etno-história com currículo próprio é muito marcante e impactante”, arremata Luiz.

O líder ressalta ainda que o curta-metragem toca em um dos pontos mais críticos, um dos grandes problemas que a comunidade do Catu enfrenta, segundo ele: “o avanço indiscriminado do agronegócio, da monocultura da cana de açúcar e a retirada ilegal de madeiradas nossas florestas”. “Esse agronegócio usa a mão de obra dos indígenas para o cultivo dessa monocultura, que destrói nossas matas ciliares, as matas de nascentes e faz com que nossos leitos de rio baixem seu nível de água, além de poluir nossos lençóis freáticos com os agrotóxicos usados para combater as pragas da cana de açúcar”, elenca Luiz Katu.

Os mais de 900 indígenas potiguaras da aldeia Catu têm acessado ativamente vários meios para tentar escapar das armadilhas e o cerco do agronegócio, além da luta pela demarcação da reserva e preservação da identidade. “Estamos batalhando diariamente para defender nossos direitos sociais, à terra e à demarcação. Procuramos o Ministério Público para fazer denúncias e estamos cobrando que se cumpra a Constituição Federal, os decretos e tudo o que foi estabelecido pelas leis como conquistas das lutas do movimento indígena nacional”, argumenta Luiz Katu.

A luta pelo espaço na memória do povo brasileiro e do reconhecimento da raça é o que está por trás também do longa-metragem que será exibido logo após o curta do cineasta potiguar sobre a comunidade do Catu, “AmarElo – É tudo pra Ontem”(2020), dirigido por Emicida, uma das boas cabeças pensantes e proativas da cena rap brasileira.

Em “AmarElo”, que teve como base um álbum do artista de 2019, Emicida incita a reflexão em cima da participação do negro no pensamento intelectual e na construção desse país como um todo. “O documentário joga luz numa parte da história do Brasil que foi invisibilizada e a que nem os próprios brasileiros tiveram acesso”, argumentou Emicida em uma entrevista ao site Elástica. O filme discute como o preconceito e o elitismo apagaram a atuação e protagonismo da raça negra no desenvolvimento da identidade e dos alicerces brasileiros.

 A sessão começa às 19h, no Centro Cultural Casa de Taipa, no Sagi, distrito de Baía Formosa. A exibição de curtas potiguares antes dos longas nas sessões do Cine Casa de Taipa faz parte do projeto “Centro Cultural Casa de Taipa Vivo”, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc do Rio Grande do Norte. Por meio da Fundação José Augusto, do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, da Secretaria Especial da Cultural e Ministério do Turismo do Governo Federal.