Coluna sobre livros e leituras
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Os silêncios da escrita – que são mais de um – fermentam em cada livro deitado nas estantes e inflamam inúmeros pares de olhos leitores
16 de julho de 2020
José Correia Torres Neto | Mestre em Engenharia Mecânica e Editor de Publicações
Escrever é um ato silencioso, reservado, onanista, e isso se alarga em seus desdobramentos. O escritor se silencia, em um primeiro momento, debulha suas ideias e palavras nos vincos dos papéis e monta um itinerário que cada leitor poderá seguir (ou não). O processo editorial não se distancia tanto desses silêncios, mesmo nos instantes das revisões, da construção do projeto gráfico, da editoração e até no momento de produção física da publicação, e os silêncios ocupam os instantes. Com o livro pronto, em vigília em uma estante de livraria ou já nas mãos dos aventureiros leitores, o silêncio se resgata durante o momento da leitura.
Os silêncios das leituras só são quebrados com as práticas das ideias lidas, e isso é um efeito – surtido a médio ou a longo prazo – que pode ser decisivo na vida em sociedade. Os silêncios da escrita – que são mais de um – fermentam em cada livro deitado nas estantes e inflamam inúmeros pares de olhos leitores.
Voltando aos silêncios dos escritores, é imprescindível que ele também se silencie como leitor e observe seu texto como um estranho que o lê pela primeira vez. Revisitar o seu texto é um exercício de construção própria e permite que o escritor assuma a posição do primeiro crítico de sua obra. Evidentemente se pressupõe que os revisores e editores também farão uma avaliação criteriosa na obra e apontarão, sem nenhum pudor, ajustes que serão imprescindíveis fazer.
Poucos são os autores que se deixam cair na tolice de pensar que o leitor não formulará questões sobre a essência da obra e dos seus desdobramentos ao longo da leitura. Mais tolo ainda é aquele autor que impõe ao leitor a obrigação de descobrir, em outras fontes, o que pretendeu dizer e não disse ou que foi questionado ao longo de seu texto e não atendeu de pronto o leitor. Por mais que o leitor não queira se envolver na construção da obra, ele se desperta quando o pensamento escrito do autor comete um lapso – ou um vazio de informação ou de contexto – que surge entre um momento e outro.
Por mais que existam silêncios nos atos de escrever e de ler, eles não justificam a omissão do escritor em melhorar aquilo que escreve e também se melhorar como leitor.
Por fim, esses silêncios talvez sejam os que mais incomodam.
PARA NÃO CAIR NO ESQUECIMENTO:
“[...] há dois tipos de poeta: os bons, que queimam seus poemas aos dezoito anos, e os ruins, que continuam produzindo poesia por toda a vida.” (ECO, Umberto. Confissões de um jovem romancista. São Paulo: Cosac Naify, 2013).
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