Ilustração de Hostílio Dantas para Velhos Costumes do Meu Sertão

É Típico!

Velhos Costumes do Meu Sertão, de Juvenal Lamartine, ganha reedição

Lançado pelo Sebo Vermelho, livro de 1963 reúne escritos do pai de Oswaldo Lamartine sobre o sertão arcaico de 150 anos atrás

14 de agosto de 2021

Cinthia Lopes

Todo seridoense carrega um Sertão dentro de si. No caso de Juvenal Lamartine de Farias (1874-1956), este universo era imenso e profundo. Pai do intelectual e escritor Oswaldo Lamartine, e personalidade da vida política potiguar da virada do século XX e ainda ex-governador do Rio Grande do Norte, Juvenal era sobretudo um homem apaixonado pelas coisas sertanejas. Ele deixou escritos sobre a terra de seu tempo no livro "Velhos Costumes do meu Sertão'', lançado originalmente em 1963 e agora com uma nova reedição pela editora Sebo Vermelho. A obra é mais uma raridade literária fundamental para se compreender a construção histórica do sertão do Seridó. Mostra a dinâmica social e econômica do sertão arcaico, de 150 anos atrás.  “Eu considero o livro mais importante sobre o Seridó antigo. É o relato mais preciso sobre aquela região no século 19. É possível saber até o que as pessoas comiam 150 atrás”, contou Abimael Silva a este TL. 

A reedição do livro tem tiragem de apenas 200 exemplares, ao preço de R $80,00. Capa e contra-capa trazem desenho em bico de pena do sertão e do vaqueiro, de autoria do pintor Hostílio Dantas. Segundo o editor Abimael Silva, foi motivada pelo que considera uma “exploração do mercado de livros raros usados”, já que a edição anterior , também do Sebo Vermelho, está sendo vendida pela internet ao preço de R $500 reais na Estante Virtual. 

A reedição fac-símile traz um texto de apresentação do etnólogo Oswaldo Lamartine de Farias, filho de Juvenal, no qual ele explica essa paixão do sertanejo: “Havendo perdido completamente a vista nos seus últimos anos de vida em decorrência de um glaucoma, recusou-se a interromper suas atividades de trabalhador incansável que foi, a despeito das trevas e dos oitenta e um janeiros vividos. Mesmo cego, continuou à frente da administração da Fazenda Lagoa Nova, que visitava quinzenalmente, fazendo algumas vezes a viagem de teco-teco”.

Foi Oswaldo Lamartine que atentou para a necessidade de retrabalhar os escritos do pai ainda em vida, sugerindo um retoque àqueles “que podiam representar, amanhã, um depoimento do seu tempo para estudiosos”. E foi o intelectual que reencontrou os guardados desses rascunhos revistos nas últimas férias de verão do seu pai ainda vivo.

Os textos foram ditados pelo autor aos seus familiares, já que em idade avançada, ele sofria de cegueira causada pelo glaucoma. “Acrescemo-los de algumas notas e aí está o depoimento de um sertanejo sobre o sertão de seu tempo…”

Velhos costumes do meu Sertão”  reúne em seus capítulos como era a vida social, econômica, cultural e política daquele tempo. Também fala sobre alimentação, vestimenta,  crendices e superstições, vaqueiros e vaquejadas, encontros com cangaceiros (Jesuíno Brilhante), os matadores de onça, e ainda os costumes de morte e sepultamentos.  O livro ainda fala sobre os festejos típicos da época, desde as festas de casamento até as religiosas – incluindo as dos negros do Rosário, que já na década de 50 estavam quase desaparecidas. Abaixo, alguns relatos de Juvenal Lamartine sobre o sertão de “nunca mais”

A CASA GRANDE

Assentada no alto — para melhor aproveitar a frescura dos ventos e oferecer posição mais vantajosa quando os ataques de cangaceiros — era de construção sóbria alpendrada de duas águas e levantada com madeira, pedra, tijolo e telha da própria fazenda. Não oferecia a beleza artística dos casarões do açúcar de grades de ferro trabalhado e arabescos de argamassa e pedra. Nenhum enfeite transparência de sua arquitetura e seu conforto maior parecia residir no frio das Lajes do Alpendre ou na carência da rede armada do quarto do sótão de ferragens.

INDUMENTÁRIAS

A indumentária dos antigos sertanejos era, forçosamente, pelo meio e modo em que viviam de extrema simplicidade. Os homens quando não tinham visitas na fazenda viviam na sua maioria de camisa e ceroula, camisas de panos compridos batendo perto do joelho e ceroulas que desciam até quase aos pés onde eram as ajusiadas às canelas à moda culote.

As mulheres raramente se mostravam às pessoas estranhas e em casa vestir um vestido de chita, sem casaco, exibindo camisas muito alvas e enfeitadas de belas rendas e almofada.

Nas solenidades religiosas e civis os cavaleiros envergam roupa de casimira inglesa, gravata, camisa de colarinho duro e calçados de verniz, outros compareciam fardados de oficiais da Guarda Nacional. As mulheres trajavam vestidos de seda e xales custosos que eram trazidos da ‘praça’ Recife. Enfeitavam-se de jóias sendo rara que não trazia ao pescoço um pesado crucifixo de ouro preso trancelim do mesmo metal 

A pobreza por sua vez também vivia, no diário, de camisa e ceroula, embora de tecido inferior e mais raramente usava calças no caso de algodão. As mulheres do Povo nunca usavam um casaco mesmo quando tinham de ir à Rua. Homens e mulheres calçavam alpercatas. Poucas vezes estas usavam sapatos a menos que tivesse de comparecer às festas da igreja ou casamento.

Os vaqueiros, mesmo quando fora das Lides do campo vestiam guarda-peito sobre a camisa à moda colete e trazer o gibão a tiracolo, talvez pelo hábito de nunca se apartar em da vestimenta característica de sua profissão.