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Colunas

Vendendo livros no velório

Seu gato tinha morrido e talvez chegasse atrasada na estreia porque não sabia onde iria jogar o corpo: Abraão, me ajude a enterrar o gato, disse

10 de agosto de 2021

Abraão Gustavo, escritor

Fim de semana publiquei um livro infantil, a princípio tinha tudo para ser um sucesso. Acordei pela manhã e Cintia Lopes me havia informado que a matéria de divulgação do livro tinha saído por aqui no blog. Tádzio França (jornalista da Tribuna) fez uma belíssima matéria em homenagem a Câmara Cascudo citando o meu trabalho de escritor como protagonismo da obra infantil. Como de praxe, fui até a padaria próxima de casa, a fim de tomar um café e ler a Tribuna do Norte, para conferir a matéria. Comi meu cuscuz com salsicha e café com pingo de leite. Enquanto eu lia a matéria como uma criança que abre uma caixa de presentes para descobrir o que tem dentro, a garçonete colocou sal no meu café em vez de açúcar. E eu, distraidamente, bebi enquanto folheava o jornal, pasme: a garçonete teve a coragem de ir até a minha mesa e me perguntar:

– O senhor deseja mais alguma coisa?
Eu disse:
– Não, obrigado.
E bebi o café todinho num só gole. O café estava morno, é claro.

Mas estava tão feliz que não me importei se era açúcar ou sal no café. Ao sair da padaria em direção a minha casa, recebi uma ligação inusitada. Era Maria José me perguntando que horas seria a estreia do livro. Eu fiquei encucado e me perguntei: será que ela não leu o jornal? Coloquei no Instagram, no Twitter, no Facebook, nos grupos de avisos da igreja, ela não viu? 

Ela me informou que seu gato tinha morrido e talvez chegaria atrasada na estreia porque não sabia onde iria jogar o corpo do gato.
– Abraão, me ajude a enterrar o gato.
Meu Deus, eu precisava saber sobre aquilo? Eu tinha um livro para lançar, uma amiga para ajudar e um gato para enterrar.
Enquanto eu estava me arrumando para chegar na livraria, recebi outra ligação, de Carminha, uma amiga bibliotecária, me avisando que nossa amiga Maria de Fátima havia falecido naquele mesmo instante, e que eu deveria respeitar o luto dela.

– Putz, é sério? E agora? Que merda. Eu pensei. Jurei para ela que leria o próximo lançamento do meu livro. 
As pessoas me disseram que não iriam ao lançamento devido ao luto de nossa amiga. Meu Deus e agora? E meus amigos que vieram de viagem? Eu combinei de pagar os fotógrafos depois do evento com dinheiro das vendas dos livros. E se eu fizer o evento, será que desrespeitarei o Maria de Fátima? Mas seu não fizer e quebrar a promessa que fiz para ela? E a livraria, e os convidados? E o gato? E os fotógrafos?

E foi assim que lacei meu livro, dentro do cemitério com fotógrafos, representantes da livraria, o gato de Maria José enterrado e todos os convidados presentes.
Dedico esta crônica a Maria de Fátima, para que ela possa sorrir de onde estiver, como sempre fizemos e em memória ao gato de Maria José.