As variantes na poesia de Zila fazem com que ela seja perene, diz pesquisador de sua obra

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Zila Mamede na visão de Alexandre Alves

A lírica de Zila é rica em imagens, em associações com a sociedade atual ou com aqueles que acham que poesia tratasomente de temas intimistas

15 de maio de 2023

por Redação

Não resta dúvida que o nome de Zila Mamede, agora relançada em obra completa pela Editora da UFRN, é um dos mais conhecidos entre a hoje vasta poesia produzida no Rio Grande do Norte com suas centenas de autores e autoras. Ao lado da romântico-simbolista Auta de Souza e da parcialmente moderna Palmyra Wanderley, os versos de Zila Mamede parecem suscitar a leitura de geração após geração, causando inclusive um impacto interno na lírica produzida após sua fatídica morte em 1985.

Para tentar saber mais um pouco sobre Zila Mamede, lançamos cinco perguntas para Alexandre Alves, Professor do curso de Letras da UERN, tradutor para a língua inglesa da obra “Rosa de pedra” em 2013, pesquisador da obra de Zila Mamede e que estará na mesa-redonda de lançamento da obra completa da poetisa, intitulada “Zila, toda poesia”, que será lançada dia 19 de maio, sexta-feira, a partir das 16 horas na Biblioteca Central da UFRN.

Parece que o semblante da poesia de Zila Mamede se tornou uma espécie de símbolo da poesia produzida de meados do século XX até hoje. Qual seria o fator que a faz ser tão lembrada por leitores e crítica literária?
Difícil explicar, mas deve ser justamente a qualidade marcante da poesia dela desde seu começo na hoje já longínqua década de 1950, justamente quando a literatura potiguar ganhava ares de expressividade, com autores como Antonio Pinto de Medeiros, Newton Navarro, Sanderson Negreiros, Luiz Rabelo e Nei Leandro de Castro. Mas não apenas leitores e crítica literária, pois em seguida viriam nomes como Myriam Coeli e Nivaldete Ferreira Xavier, certamente herdeiras do caminho moderno aberto por Zila na poesia. Em seu começo de carreira, Zila era o nome feminino isolado no RN, porém bem à frente dos demais com sua poesia ora intimista ora social.

 

Ela era uma leitora consciente de sua época, pós segunda guerra mundial, fato raro nesse período. A crítica da década de 1950 já havia dado um certo reconhecimento a ela, que chegou a ganhar o “Prêmio de poesia Vânia Souto Carvalho” em 1958 e teve suas obras resenhadas em periódicos de circulação nacional.

 

Antes do nome de Zila Mamede já havia alguma produção local que se destacasse entre as mulheres?
Sim, mas de modo bem fragmentado. Com a chegada do Modernismo em 1922 é que mulheres teriam um espaço a mais, mas ainda assim ainda de breve repercussão, dado o pequeno número de poetisas brasileiras que adotaram o verso livre como forma. Antes existiram, por exemplo, a romântica Auta de Souza, com “Horto”, obra de 1900, e Nísia Floresta, que publicou o longo poema “A lágrima de um caeté” em 1849, de temário romântico-indianista, além da açuense Anna Lima com seu  livro “Verbenas”, de 1902.

Nos periódicos locais, houve as edições da revista feminina “Via Láctea”, editada em 1914 e 1915 por nomes como Carolina Wanderley e Palmyra Wanderley, duas autoras que publicaram obras em seguida. Vários nomes femininos publicavam poemas, mas não livros, como Angelina Macedo ou Adelle de Oliveira. O caso de Palmyra foi ainda mais singular, saindo do romântico “Esmeraldas”, de 1918, para versos parcialmente modernos em “Roseira brava”, primeiro livro de uma poetisa potiguar a adotar temas mais urbanos em verso livre em 1929. Mas, depois disso, ela nunca mais editaria outra obra, mesmo ganhando até menção honrosa do prêmio anual da Academia Brasileira de Letras em 1930. Palmyra publicaria poemas esparsos, assim como Helen Ingersoll, mossoroense de versos modernos já em fins da década de 1940. O outro nome em destaque na poesia moderna local seria já Zila Mamede.

Por que Zila Mamede não obteve um reconhecimento maior da crítica literária do sudeste do país, o grande centro de movimentação literária no Brasil?
Isso é um problema bem maior da indústria cultural no Brasil. No começo de 1950, quando Zila começou a publicar poemas, sequer existiam cursos de Letras no país e a escassa crítica literária estava basicamente concentrada no Rio de Janeiro, ainda capital federal, e São Paulo, lar do Modernismo. Assim como hoje, se algum nome potiguar – e isso não é exclusividade da literatura – quiser ser mais conhecido, tem que estabelecer uma relação muito próxima com o grande mercado do eixo sudeste-sul. É lá que se encontra a maior parte dos leitores.

E Zila até que conseguiu atenção, pois sua segunda obra saiu pela Ministério da Educação e Cultura – segundo ela mesma em depoimento, com a ajuda de Manuel Bandeira e Carlos Drummond – e sua terceira obra, “O arado”, foi editada pela livraria carioca São José, uma das casas editoriais da época. Acho que o problema foi a falta de continuidade da publicação da poesia de Zila, que não lançou qualquer obra na década de 1960 e só veio a publicar novamente em 1975, com “Exercício da palavra”. Tenho certeza que, se ela tivesse ficado morando no Rio de Janeiro após ter se tornando a primeira bibliotecária do RN, o destino seria outro. Mas ela foi muito importante na cultura local. A biblioteca da UFRN teve Zila como primeira diretora em meados de 1970 e ela também se dedicou a pesquisar a bibliografia de Câmara Cascudo, o que tomou boa parte da vida dela nesse período. 

Qual a importância da poesia de Zila Mamede para os leitores do século XXI?
Poesia é arte atemporal. Mesmo produzindo em meados do século XX adiante, a lírica de Zila é muita rica em imagens, em associações com a sociedade atual ou com aqueles ainda que acham que poesia sempre trata de temas intimistas, o que existe também na produção dela, que passava do soneto ao verso livre, do poema curto a um texto com tendências mais visuais. Qual poeta potiguar produz assim hoje, por exemplo? Eu desconheço, pois a maioria sequer gosta de passar da primeira página escrita, um dilema na poesia brasileira atual, mais preocupada com brevidade do que com qualidade. As variantes na poesia de Zila, ao meu ver, fazem com que ela seja perene, chegando ao leitor do século XXI como se ela estivesse viva e escrevendo hoje, além do fato dela ser uma sombra sobre a lírica local. Qualquer um que se disponha a escrever poesia no Rio Grande do Norte tem que conhecer a produção de Zila e tentar chegar em algo além dela, como assim fizeram Marize Castro ou Eveline Gomes na ala feminina, ou Carlos Gurgel e Leontino Filho. Zila é um verdadeiro fantasma sobre a lírica local. Ultrapassar poemas como os sintéticos “A ponte” e “Promissória”, ou o misto de tradição e modernidade em “Soneto para a construção do arranha-céu” e “Rua Trairi” parece que será tarefa para poucos.

Para os leitores que nunca leram Zila Mamede, quais seriam as obras ou poemas que você indicaria?
Acredito eu que, para o já iniciado em poesia, pode começar por qualquer obra. Todas têm seu valor, independente do tema proposto nos títulos de Zila. Já quem gosta de uma veia lírica mais tradicional vai preferir “Rosa de pedra” ou “O arado”. Os mais afeitos com as muitas faces da poesia contemporânea podem preferir “Exercício da palavra”. Mas é sempre difícil recomendar, pois a linguagem da poesia é a de sempre ser uma descoberta. Como professor da disciplina de “Literatura potiguar” na UERN, eu tenho visto cada interpretação dos alunos sobre nomes locais como Jorge Fernandes, Zila Mamede, Palmyra Wanderley, Carlos Gurgel e tantos outros que fico admirado em ver como a poesia é rica em sua linguagem e não consegue ser presa no imediatismo de uma geração angustiada em maratonar séries de tv ou sequências de filmes. A poesia é justamente para desacelerar o tempo e provar que a vida pode ser algo a mais, como assim é a poesia de Zila.