Maira que o agouro sempre é precedido de sensíveis observações ao cotidiano

Agenda Cultural

Mais do que forte, é preciso estar atento para 'Agouro'

Autora e mediadora do Leia Mulheres Natal, Maíra Dal’Maz debuta com livro de poesias e prosas que reflete seu olhar sutil, conectivo e profundo

13 de abril de 2021

Jana Maia

Houve um tempo, não tão distante, no qual as aves “rasga-mortalha” arrepiaram noites pacatas ao cruzar telhados com seus assobios. As avós corriam a buscar os terços mais próximos, murmurando enquanto observavam o céu: mau agouro.

Em Agouro (2021), livro de poesias e prosas de Maíra Dal’Maz, repleto de versos sobre partilhas, a autora nos leva a escavar a raiz dessa palavra. É preciso estar atento aos assobios para intuir o processo de leitura das palavras conjuradas ali no papel, fruto das conexões de vida e memória da escritora. Alguns desses textos são registros de sonhos, portanto cheios de digressões em sua construção, outros são registros de obsessões, todos traçados tais quais retratos nessa escrita.

Maíra, que escreve com sutileza e sagacidade, estimula o leitor a captar que independente da palavra impregnada de conotações negativas circundando o imaginário popular, o agouro sempre é precedido de sensíveis observações ao cotidiano, para só então poder ser sentido. Seria então correto afirmar que é o agouro, por si só, uma forma de poesia?

Contorno

dentre as principais coisas observáveis

com tamanho agrado estão:

o céu, a estrada vazia, os olhos dos meus cachorros

e o desenho do seu perfil

[lembro-me, no teatro,

por minutos esqueci de dos amores y un bicho

e senti pela minha coluna todo o júbilo e lisonja

quando vi de tão perto o seu perfil]

investigava-o para chegar a isso

esse esquecimento dos tempos de guerras:

eu olhava todas as suas metades

era para isso, para encontrar todas as coisas

[observáveis com agrado

que eu flanava por todas as suas metades

pelas veias, por um ombro

mas, diferente do cavalheiro de shalott:

[talvez ache, também, que gosta de se reajustar]

half is not enough

O livro foi publicado através de uma chamada pública aberta pela Escaleras, uma editora independente, encabeçada pela escritora Débora Gil Pantaleão, forte apoiadora de mulheres nordestinas escritoras. A poeta conheceu a iniciativa através da amiga também escritora, Danielle Sousa, que recentemente publicou um livro de contos (No Horizonte, a Terra) também pela editora, e que serviu de inspiração e apoio para Maíra colocar seu projeto para frente.

A autora confessou que “a ideia de publicação sempre ronda quem escreve” mas que só ano passado acabou se interessando oficialmente em reunir numa ordem seus textos de anos, que habitavam seu blog www.mairadalmaz.blogspot.com.br. Com forte desejo de manter tudo “em casa” em seu primeiro livro, a orelha foi assinada pela poeta e também amiga de longas datas, Isabela Coelho. Maíra declara que “não queria estar sozinha nesse momento, queria levar quem conheço comigo”.

Agouro está em pré-venda através da plataforma Catarse até dia 23 de abril, depois desse período as vendas dos exemplares serão feitas no site da Escaleras e com a própria escritora em suas redes sociais (@mairadalmazz). É importante que os interessados apoiem o projeto nessa fase para que o livro consiga ser produzido e evoluir para a fase de vendas. Por se tratar de uma editora independente, o apoio para arrecadar o valor da publicação é crucial nessa fase inicial. Neste link: https://www.catarse.me/agouro os leitores conseguem conferir os valores e as recompensas para os apoiadores.

Perguntada sobre suas inspirações literárias no momento, Maíra Dal’Maz citou O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, mas que sua principal inspiração é o próprio cotidiano, estar atenta. Tal qual as avós outrora esquadrinharam os céus em busca de sinais.

Sobre a autora:

Maíra Dal’Maz é poeta, escritora, professora, formada em Letras e Mestra em educação. Nasceu em 1991, em Monte Dourado, Pará, mas vive em Natal, Rio Grande do Norte, desde 1993, de onde lê, escreve e ensina. Seus poemas compõem algumas produções coletivas e independentes, como antologias e zines. Desde 2016, colabora com a mediação do grupo de leitura Leia Mulheres Natal. Esta é a sua primeira publicação individual.