Verônica Sabino revela o preparo do famoso beiju. Foto: frame
É Típico!
A receita é de Verônica Sabino, a Tia Vera, detentora dos saberes herdados de seus ancestrais no extremo-litoral sul do RN
16 de março de 2021
por Cinthia Lopes
Nativa da praia de Sagi, litoral extremo-sul do Rio Grande do Norte, Verônica Sabino vive da agricultura e da culinária. Ela é detentora de saberes herdados de seus ancestrais que se fixaram na região, os Potiguaras de Sagi-Trabanda. Ao lado do marido, Dimas Maria da Silva, de seus oito filhos e 4 netos, são conhecidos também pelo preparo do “Beiju de Mandioca Mole”. Turistas e natalenses são os principais clientes da família. “A gente vivia só da agricultura, hoje é a venda do beiju quem ajuda. Faço tudo bem feito com amor e carinho, nosso diferencial é a forma de preparar. Fica uma delícia e vem gente de Natal só para comprar”, disse.
A receita da Tia Vera, como é mais conhecida, foi selecionada no Edital Prêmio Saberes, Sabores e Fazeres – categoria Gastronomia Tradicional, e acaba de ganhar seu registro em vídeo, como resultado do Prêmio no valor de R$ 5 mil. O documentário foi realizado pelo Centro Cultural Casa de Taipa e tem recursos da lei Aldir Blanc do Rio Grande do Norte, por meio da Fundação José Augusto do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, da Secretaria Especial da Cultura e Ministério do Turismo do Governo Federal.
O documentário apresenta Sagi ao som dos caboclinhos. Tia Vera vai mostrando o seu dia a dia em casa e como prepara a delicada iguaria de origem indígena. Segundo Câmara Cascudo, era a raiz que alimentava o brasileiro e o hábito de usar a mandioca para a feitura dos beijus está na essência (bolos de goma de mandioca, por exemplo). Assim foi passada por dezenas de gerações até chegar em Vera: “Aprendi a fazer o beiju pequenininha, com minha mãe e meu pai, e ela também aprendeu e herdou da avó. Aqui se faz o beiju para vender e também para comer em casa”, conta.
confira o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=3N7rjSTYL64
Aos 56 anos, Vera planta a própria mandioca/macaxeira usada no beiju, em um terreno que o avô adquiriu anos atrás. Os netos a ajudam na colheita do tubérculo e a escolher as folhas da bananeira, base para assar e servir o beiju. O processo começa na lavagem da mandioca (a mandioca mansa é também conhecida como macaxeira e aipim). Depois de bem limpa, fica de molho em um tonel de água por quatro dias, para tirar o amargor e deixar a textura leve.
Vera explica que quando passar o período do molho, os 4 dias, a mandioca é descascada e amassada. Talos, fiapos e pedaços duros são descartados. Depois a massa branca é envolvida em um pano de algodão limpo e lavada até tirar o azedume. “Tem que ficar docinha. Precisa lavar bastante e depois espremer até tirar toda a água e a massa ficar soltinha”, detalha Vera.
Para a receita ela usa ½ kg da massa da mandioca mole (carimâ); 1 coco ralado, ½ kg de goma, leite de 1 coco, sal à gosto. O coco seco ralado na “rapadeira” é acrescentando na massa, junto com a goma e o sal. O leite é reservado para usar na hora de assar o beiju.
Forno de massapé
Um detalhe: enquanto Verônica prepara a massa do beiju, Dimas prepara a massa de massapé para construir o forno de assar a iguaria. “O verdadeiro beiju tem que ser preparado nesse forno”, conta o agricultor, detalhando o processo de montagem da estrutura feito com madeira tijolos e coberto dessa argila enriquecida, também usada no fabrico de cerâmicas e no reboque das casas litorâneas. Vera acende o fogo e o alimenta com madeira por três horas até fica aquecido na temperatura certa de assar o beiju.
A massa é peneirada na arupema para ficar bem fina. Como uma grande tapioca, a massa é espalhada na folha da bananeira de tamanho suficiente para cobrir os dois lados. A cozinheira coloca um caco de tijolo para a folha não levantar, afinal a cozinha é ao ar livre. Assado um dos lados, é o momento de regar a massa com o leite de coco para ficar bem úmido. Cobre novamente para assar por cinco minutos de cada lado e retira. O beiju é servido na folha ou cortado em quadradinhos. A mãe de Verônica, dona Ivanira de 78 anos, se orgulha da receita familiar. eu como sou da beira da praia, o beiju é como o café e o peixe assado”, disse.
Edital Saberes
Ao todo serão 80 registros de receitas variadas fazem parte dos hábitos alimentares de várias localidades do RN, típicas do estado ou da região nordeste. São 40 receitas oriundas de Natal e região Metropolitana e outras 40 dos nove territórios potiguares. Todo o acervo ganhará um canal próprio no Youtube, segundo adiantou um coordenador da Fundação José Augusto. A chef de cozinha e pesquisadora Gabriela Sales, que integrou a curadoria do edital, contou ao TL (nessa reportagem AQUI) que essas receitas selecionadas formam um “apanhado bem bonito do que a gente é em termos de alimentação tradicional”.
Mandioca e macaxeira
Originária da Amazônia, a planta é cultivada pelos índios antes mesmo da chegada dos portugueses ao Brasil. A mandioca e a macaxeira (mandioca mansa) são da mesma espécie é Manihot esculenta Crantz. O que as diferencia é o teor de cianeto presente na raiz. A macaxeira pode ser consumida logo após um curto período de cozimento. Enquanto a mandioca, a indicação é apenas o consumo de seus derivados, após preparação e retirada de todo veneno. Com a mandioca brava se faz a farinha de mesa. A macaxeira também é conhecida como mandioca mansa ou aipim, e possui menos de 50 mg de HCN por kg de raiz fresca sem casca. Já a mandioca, ou mandioca brava, apresenta acima de 100 mg de HCN por kg de raiz fresca sem casca. E não adianta tentar fazer essa identificação só no "olhômetro", como explica a pesquisadora do portal da Amazônia, Priscilla Andrade.
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